São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 1994
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Novo cenário internacional beneficia o Brasil

ROBERTO ABDENUR
ESPECIAL PARA A FOLHA

O artigo do ministro Celso Amorim e as demais contribuições para esta edição do Mais! permitem observar uma crescente aceleração da agenda de nossa política externa. A diplomacia brasileira tornou-se mais ativa. Em maior grau do que no passado, atuamos hoje em função de iniciativas próprias.
Como observou o ministro Celso Amorim, esse novo perfil decorre, em especial, de uma conjunção positiva de dois fatores. A evolução do cenário internacional e as transformações internas do Brasil somam-se para permitir uma inserção externa mais favorável, que passa a ser percebida como uma fonte de oportunidades para o desenvolvimento nacional.
A agenda internacional tornou-se mais flexível: as rígidas referências Leste-Oeste ou Norte-Sul foram substituídas pelos "novos temas", em que as coalizões de interesse se formam caso a caso. A criação da Organização Mundial de Comércio (OMC), a globalização da economia e o debate sobre a reforma da ONU revalorizam o multilateralismo. A importância relativa de cada país passa a ser medida menos por seu peso militar, e mais por aspectos econômicos, científico-tecnológicos ou culturais.
Novos espaços –Rússia, Europa Oriental, China, Sudeste Asiático, Índia, África do Sul, entre outros– integram-se de forma mais decidida ao sistema internacional. Vários países em desenvolvimento –em especial na Ásia e, agora, também na América Latina– vão realizando progressos notáveis. Apesar do ressurgimento localizado de conflitos étnicos, religiosos ou nacionalistas, há maior grau de consenso em torno da democracia, dos direitos humanos, da economia de mercado e da prioridade às questões sociais.
Não se pretende, com essas observações, traçar um quadro ingenuamente otimista do novo cenário internacional. Persistem, é claro, dificuldades para a inserção externa de países como o Brasil. Um exemplo ilustrativo é o fato de que, apesar da criação da OMC, vêem-se os países em desenvolvimento agora defrontados com a ameaça de novas formas de protecionismo, sob o manto de preocupações nem sempre sinceras com o meio ambiente e aspectos trabalhistas. Não obstante, prevalece a constatação de que, no geral, a evolução do cenário internacional é favorável à promoção dos interesses externos do Brasil.
As transformações internas do Brasil, da mesma forma, tornam mais positiva a inserção externa do país. No passado, em áreas como direitos humanos, meio ambiente ou tecnologia nuclear, víamos com restrições o diálogo internacional. No campo econômico, o trânsito externo era dificultado pela excessiva duração do modelo de substituição de importações e pela necessidade de gerar –inclusive através da compressão das importações– superávits comerciais de grande vulto, para viabilizar o cumprimento de obrigações relativas à dívida externa.
A redemocratização e as reformas estruturais em curso (abertura, privatizações, desregulamentação) permitem à diplomacia brasileira, hoje, conduzir um relacionamento externo mais fluido e desenvolto. Está encaminhada a questão do endividamento externo. A estabilização da economia contribui para tornar ainda mais ágil e desimpedida nossa presença internacional.
Assim, fatores internos e externos conjugam-se para criar um panorama mais favorável à presença internacional do Brasil. Logramos, no governo Itamar Franco, promover uma retomada da consciência da importância do Brasil no cenário mundial e do perfil altamente ativo e construtivo de sua política externa, caracterizada por singular capacidade de articulação de iniciativas e consensos.
O próximo governo poderá, sob condições favoráveis, levar em frente importantes iniciativas destinadas a colocar o Brasil, sempre mais, no centro dos processos decisórios internacionais e a dinamizar a participação do país nos fluxos mundiais de comércio, finanças e tecnologia.
A agenda externa para os próximos anos será rica em oportunidades para o Brasil. No contexto dos debates sobre a reforma da Carta da ONU, apresenta-se naturalmente a possibilidade de ascendermos a níveis ainda mais elevados de influência nos rumos da organização. Continuaremos a ter papel central em temas como operações de paz da ONU, não-proliferação ou direitos humanos.
A implementação dos resultados da Rodada Uruguai beneficiará os esforços de desenvolvimento nacional, e muito exigirá da diplomacia nacional na tarefa de edificação da futura OMC. O Mercosul, após a entrada em vigor da União Aduaneira em 1º de janeiro de 95, seguirá seu curso em direção a patamares mais elevados de integração. Terão continuidade as negociações para a criação de uma Área de Livre Comércio Sul-Americana, que já se encontram em estágio avançado com o Chile e a Bolívia.
Após a Cúpula de Miami, ganha nova dinâmica o processo de formação de uma área hemisférica de livre comércio. Estão lançadas as bases para a negociação de uma associação inter-regional entre o Mercosul e a União Européia. Prosseguirá o diálogo com a OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a cujo Centro de Desenvolvimento aderimos em março de 1994.
Semanas atrás, tive a ocasião de participar, em Tóquio, de um primeiro diálogo de altos funcionários entre a OCDE e as "economias dinâmicas de países não-membros", que abriu novas perspectivas de aproximação entre o Brasil e uma organização que vai ganhando credibilidade e sentido de universalidade.
Em suma, o Brasil poderá continuar a desenvolver, nos anos a seguir, novas formas de aprofundamento e diversificação de sua presença externa, em função da tão positiva evolução do quadro interno e das novas oportunidades que se vão abrindo no cenário externo. São promissoras as perspectivas para o Brasil no campo de suas relações internacionais.

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