São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 1994
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Diplomacia brasileira tem participação ativa na ONU

RONALDO MOTA SARDENBERG
ESPECIAL PARA A FOLHA

Como encara o Brasil a ONU em uma época de mudanças, em uma época em que os paradigmas da Guerra Fria foram superados e em que se abrem novos espaços para a atuação diplomática?
Em primeiro lugar, o Brasil tem plena consciência de que a ONU (Organização das Nações Unidas) resgatou em boa medida a relevância e a visibilidade internacionais idealizadas por seus fundadores. Por outro, sabe que nem tudo é mudança e que é necessário impulsionar a reflexão acerca das finalidades da organização mundial e de suas estruturas.
O Brasil participa de forma ativa e realista do exercício de rearticulação da agenda multilateral. Os resultados desse exercício deverão balizar a direção e o ritmo das relações internacionais nas próximas décadas. O cinquentenário da ONU, a ser comemorado em 1995, será o marco inicial da nova interação das Nações Unidas com o sistema internacional.
A Assembléia Geral das Nações Unidas, foro de composição universal estabelecido na Carta de São Francisco, examina no momento dois temas de importância crucial da nova agenda. Um deles é a reestruturação do Conselho de Segurança, diretório com a responsabilidade primária pela manutenção da paz e segurança internacionais, cuja composição, porém, ainda reflete a estratificação de poder mundial existente ao final da Segunda Guerra. O outro se refere à formulação de uma Agenda para o Desenvolvimento, a ser cumprida pelas Nações Unidas em seu papel central de promotora da cooperação internacional nos campos econômico, social, cultural e humanitário.
O Brasil teve papel muito importante no lançamento de ambos esses temas. Em 1989, na abertura do debate geral da 47ª Assembléia Geral, o presidente José Sarney lançou a proposta de ampliação do Conselho de Segurança. Essa idéia, cuidadosamente sondada pelo então Representante Permanente do Brasil junto às Nações Unidas, embaixador Paulo Nogueira Batista, passou a ser crescentemente debatida dentro e fora da organização e hoje está no fulcro das considerações sobre a questão da representação equitativa e ampliação da composição do Conselho de Segurança.
Em 1992, já no governo do presidente Itamar Franco e sendo chanceler o atual presidente eleito, o Brasil sustentou, no contexto das reflexões sobre o novo papel das Nações Unidas, que a Agenda para a Paz deveria necessariamente ser complementada por uma Agenda para o Desenvolvimento, de molde a dotar a organização de visão prospectiva e dos instrumentos necessários à promoção do progresso econômico e social de todos os povos, como reza sua Carta. Nesse sentido, na esteira da série de conferências internacionais sobre meio ambiente, população, situação da mulher, situação social e habitação, o Brasil está propondo a realização futura de uma Conferência sobre o Desenvolvimento, com o objetivo de consolidar sob um prisma global e integrado todos os programas de ação setoriais.
Paralelamente, o Brasil está para terminar, neste mês de dezembro, seu mandato de dois anos no Conselho de Segurança na condição de membro não-permanente. É o sétimo mandato cumprido pelo Brasil, o que constitui um recorde. Nossa frequente eleição para esse órgão atesta a confiança recebida dos demais membros da organização pelo perfil próprio e íntegro de atuação diplomática, bem como pelo compromisso que temos com as grandes causas da humanidade.
As atividades do Conselho de Segurança se têm intensificado vertiginosamente nos últimos anos. Mais de 20 situações de conflito estão em sua agenda ativa e 17 operações de paz mobilizam atualmente quase 80 mil soldados ao redor do globo. No mês de novembro último, o Conselho bateu novo recorde de atividade, havendo realizado 61 sessões formais e informais, para adotar 28 decisões.
Nossa atuação nesse restrito diretório reflete de forma clara e insofismável a capacidade de irradiação e negociação da diplomacia brasileira na construção de consensos em temas de delicado manejo. Ao mesmo tempo, temos mantido firmeza de princípios e maturidade de atitudes em decisões difíceis onde, por vezes, a definição do voto brasileiro suscita o descontentamento de poderosos interlocutores. Isso apenas demonstra que, para ter presença consequente no Conselho de Segurança, o Estado-membro deve sustentar de forma sólida os seus interesses e convicções.
O Brasil exerceu papel de particular relevo nas discussões sobre Angola e Moçambique. As posições brasileiras, em linha com os profundos laços históricos que nos ligam a esses dois países, foram centrais para que o Conselho de Segurança chegasse a decisões consentâneas com a realidade deles e com os interesses da paz e da democracia. Por outro lado, em resoluções referentes ao Haiti e a Ruanda, a postura brasileira, sob a firme orientação do senhor presidente da República, se pautou pela defesa consistente de princípios consagrados em nossa Constituição, como os da não-intervenção e da solução pacífica dos conflitos.
Em todos os casos, os resultados alcançados atestaram o claro acerto das posições adotadas pelo país. A terrível falência da operação na Somália e agora na Bósnia evidenciou que o recurso pelas Nações Unidas a métodos baseados na força, em detrimento dos esforços político-diplomáticos, é inviável e contraproducente dentro de um horizonte temporal mais amplo.
O padrão de posicionamento e votação mantido pelo Brasil ao longo de sua presença no Conselho de Segurança demonstra que, a par de sustentar um perfil próprio sem inibições, nossa atuação tem estado à altura das expectativas nacionais e da comunidade internacional, em particular da América Latina. Esse desempenho certamente nos habilita a uma presença constante nesse órgão crucial das Nações Unidas incumbido de zelar pela paz e segurança internacional, no interesse de todos seus Estados-membros.

RONALDO SARDENBERG é diplomata de carreira e representante permanente do Brasil junto à ONU (Organização das Nações Unidas) desde 1990. Foi embaixador em Moscou (1985-89) e em Madrid (1989-90)

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