São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 1994
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Crescimento, democracia e paz

CELSO AMORIM
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em sintonia com os esforços de estabilização monetária e de retomada do crescimento econômico do país, a política externa do governo Itamar Franco dedicou-se à geração de condições favoráveis ao desenvolvimento nacional. Participamos ativamente das negociações da Rodada Uruguai do GATT, cujo êxito aportará ao comércio internacional maior equilíbrio e estabilidade e, com isso, maior volume do intercâmbio e dos ganhos de todos os países.
No plano regional, o Mercosul avançou a passos largos e decididos. O comércio inter-regional cresceu de modo expressivo, a zona de livre comércio está conformada e, a partir de janeiro, a união aduaneira será uma realidade a beneficiar nossa economia como um todo. Para explorar todas as potencialidades de integração dos mercados sul-americanos, o presidente Itamar Franco deu partida à Área de Livre Comércio da América do Sul (ALCSA), que articulará os vários processos integracionistas em curso na América meridional.
Paralelamente, empenhamo-nos em relançar o debate internacional sobre o desenvolvimento, tema que havia sido marginalizado, nos últimos anos.
Entre as iniciativas que apresentamos aos foros multilaterais, destacam-se a proposta de uma Agenda para o Desenvolvimento, destinada a resgatar o papel das Nações Unidas nessa área, e a convocação de uma Conferência sobre o Desenvolvimento, destinada a sintetizar os esforços da ONU em matérias afins e a manter o assunto no topo da agenda internacional.
Nascido de um ato de afirmação cívica do regime democrático, o governo Itamar Franco revigorou o compromisso de nossa diplomacia com a defesa e a promoção da democracia no interior dos Estados e no relacionamento entre eles. Trabalhamos intensamente em favor dos valores democráticos e do respeito aos direitos e às liberdades individuais, sempre em consonância com o princípio da não-intervenção nos assuntos internos dos Estados.
Mantivemos participação reconhecida e destacada em todas as conferências dedicadas aos chamados temas globais (direitos humanos, população, direitos da mulher e desenvolvimento social). Demos seguimento às decisões adotadas na Conferência do Rio sobre meio ambiente e desenvolvimento, e reafirmamos a disposição de cooperar com os grupos e instituições, nacionais e internacionais, vinculados à sociedade civil e seriamente interessados em promover um novo e positivo consenso em matéria social.
Repúdio às armas
O terceiro eixo da atuação do Itamaraty nos dois últimos anos foi o fortalecimento do Brasil como fator de estabilidade e paz em nossa região e no mundo. Significativas iniciativas foram tomadas nesse campo. O Brasil reiterou seu repúdio às armas de destruição em massa e ratificou o Tratado de Tlatelolco, que proscreve as armas nucleares da América Latina, adotou as diretrizes de não-proliferação do Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis (MTCR), assinou a Convenção sobre Armas Químicas.
Os frutos dessa política de transparência já se fazem sentir. O Brasil foi retirado das listas de restrições às exportações de tecnologias da Alemanha e dos EUA e foi desbloqueada a cooperação tecnológica com a França, o Reino Unido, o Japão, a Rússia e todos os demais parceiros importantes.
As realizações do governo no resgate da moralidade pública e na transição para um modelo de economia moderna, com crescimento econômico e consciência social reforçaram a atuação diplomática regional e mundial do País. A circunstância de ocuparmos a Secretaria pro-Tempore do Grupo do Rio no corrente ano possibilitou-nos um esforço decidido de articulação de consensos hemisféricos que em muito contribuiu para o êxito da Cúpula das Américas. Foi possível, graças a um intenso esforço de negociação, lançar as bases para o estabelecimento de uma Zona Hemisférica de Livre Comércio e consolidar um diálogo político interamericano em patamar elevado, construtivo e democrático.
Também com os parceiros africanos, nossos vizinhos do outro lado do oceano, o governo Itamar Franco desenvolveu iniciativas meritórias. A formação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) dará unidade e vertebração político-diplomática às afinidades que unem os sete países lusófonos da Europa, América e África. A Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul, por sua vez, recupera estímulo para assegurar a estabilidade de uma área de vital importância para o Brasil.
Além de nossas fronteiras imediatas, a diplomacia brasileira abriu avenidas de relacionamento promissoras com a Rússia, China e Índia, países que, à semelhança do nosso, dispõem de dimensões continentais, grande massa populacional, desenvolvimento tecnológico relativamente elevado e mantêm características de países em desenvolvimento ou em transição.
Renascimento
No caso da China, a visita do presidente Jiang Zemin ao Brasil permitiu o estabelecimento de uma "parceria estratégica" entre os dois países, com desdobramentos nas áreas política, econômica e tecnológica.
As relações com o Japão receberam estímulos políticos consideráveis, que propiciam a intensificação do relacionamento. O mesmo ocorreu em relação a outros países da Ásia e do Pacífico, objeto de várias iniciativas diplomáticas e econômico-comerciais, algumas delas de caráter verdadeiramente pioneiro.
Assistimos a um verdadeiro renascimento do interesse da Europa pelo Brasil. A nova conjuntura abre perspectivas estimulantes exemplificadas pela busca, solidária com os parceiros do Mercosul, de formas associativas com a União Européia, em direção a um intercâmbio mais fluido de bens e serviços.
Cumpre reservar um espaço especial para a evolução havida durante o governo Itamar Franco nas relações com dois parceiros tradicionais do Brasil, a Argentina e os EUA. Com Buenos Aires, logrou-se construir uma relação estreita, densa e mutuamente benéfica. O intercâmbio político, comercial, cultural e militar é hoje dos mais intensos e produtivos.
Ator internacional
Com Washington, após eliminar-se da agenda bilateral uma série de divergências, quase todas de natureza econômica, entramos em fase animadora de cooperação. Bem o demonstram os resultados das visitas do vice-presidente Albert Gore, do Secretário de Comércio, Ron Brown, e do Secretário de Defesa, William Perry. As apreciações das mais altas autoridades norte-americanas, durante a Cúpula de Miami, sobre o Brasil, sobre o relacionamento bilateral, bem como sobre a liderança do presidente Itamar Franco dão testemunho desse fato.
O balanço das ações parece francamente positivo. A diplomacia brasileira obteve ganhos significativos que geraram acréscimos de confiabilidade, interlocução, presença econômica e política, bem como de respeitabilidade para o país. O trabalho realizado contribuiu para o bem-sucedido esforço do governo no sentido de resgatar a auto-estima do povo brasileiro, que se encontrava alarmantemente debilitada.
Hoje, o Brasil volta a ser reconhecido como um ator internacional de peso próprio, que merece consideração e tem presença apreciada nos mais importantes tabuleiros internacionais. Daí decorre o fato de sermos mencionados, com frequência, e com naturalidade, por autoridades governamentais e personalidades internacionais, nos debates ora em curso em todo o mundo sobre a reforma e ampliação do Conselho de Segurança das Nações Unidas, como país qualificado para ser membro permanente daquele órgão. Trata-se não tanto de uma reivindicação –a todos os títulos cabível– mas do reconhecimento da capacidade do Brasil de colaborar para a construção de uma ordem internacional mais equânime, justa e democrática.

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