São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 1994
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Brasil quer ser locomotiva do Mercosul

CYNARA MENEZES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Os diplomatas brasileiros envolvidos no projeto Mercosul terão sempre uma resposta na ponta da língua quando perguntados por que o país preferiu optar pela integração com os vizinhos próximos a ir, como o Chile, bater à porta do Nafta, o poderoso mercado que reúne Estados Unidos, Canadá e México. O Itamaraty está convencido de que o Mercosul é um ótimo negócio para o país.
Uma semana antes de visitar os outros três países do bloco (Argentina, Uruguai e Paraguai), já eleito presidente, Fernando Henrique Cardoso foi convencido da "perspectiva de sucesso" em reunião no Itamaraty.
FHC assume dia 1º de janeiro como o presidente do país que tem a chance de se tornar o mais importante do novo bloco.
"Se a economia brasileira continuar bem, o Brasil será a locomotiva do Mercosul", prevê o chefe do Departamento de Integração Latino-Americana do Itamaraty, Renato Marques. Os números atuais, sem a tarifa zero, não deixam desmenti-lo.
No ano passado, o comércio intra-Mercosul movimentou US$ 8 bilhões, US$ 5,4 deles pelo Brasil. Para este ano, a previsão é de uma movimentação em torno dos US$ 12 bilhões, e se for confirmado o percentual anterior, US$ 8 bilhões pelo Brasil.
Os diplomatas do país preferem (diplomaticamente) não comentar, mas a polarização Brasil-Argentina se tornará ainda mais forte com o Mercosul. "A Argentina sabe que não tem condições de competir com o Brasil", disse um diplomata envolvido nas negociações.
No campo econômico, de fato, a Argentina, que só exporta trigo e petróleo para o Brasil, não terá condições de competir. Mas é possível que queira se consolidar como líder político do novo bloco –assumindo, por exemplo, a sede do Mercosul, já disputada com Brasil e Uruguai.
Há duas semanas, os chanceleres dos quatro países, reunidos em Brasília, decidiram que os órgãos do Mercosul –a presidência, inclusive– serão itinerantes. Só a secretaria administrativa terá sede, em Montevidéu, onde já funciona.
Alguns dias antes, o atual presidente uruguaio Luis Alberto Lacalle havia declarado à televisão CNN que pretendia lutar para que a sede do mercado continuasse em seu país.
Mesmo com a decisão dos chanceleres, é provável que a disputa continue. No Brasil, pelo menos quatro Estados pleiteiam a instalação da sede: os três do Sul (Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina) e o Rio de Janeiro.
O lobby carioca já chegou aos jornais e traz embutido o velho trauma da mudança da capital brasileira para o Planalto Central, em 1960, que teria alijado o Rio do centro das decisões.
Seja onde for a sede, o Mercosul começa oficialmente com a garantia de que não será mais um bloco protecionista. "As medidas protecionistas não foram nem serão adotadas", promete Marques, do Itamaraty.
Confirmando a tese, as tarifas externas que passarão a ser adotadas em 1º de janeiro –entre 0 e 20%, fora a lista de exceções– são menores que as praticadas pelos países individualmente, o que, em tese, daria mais poder de fogo ao Mercosul nas negociações bloco a bloco.
Mas se o protecionismo não existe aqui, cresce nos outros agrupamentos econômicos. O sonhado intercâmbio com a União Européia, por exemplo, pode não sair se aprovadas as novas regras de importação pelos países que compõem o bloco.
Pelos novos critérios, os países em desenvolvimento seriam preteridos nas importações por outros menos desenvolvidos sempre que alcançado um determinado volume de mercadorias.
Os países do Mercosul seriam, assim, incluídos entre os que não precisam de proteção nas relações comerciais e ficariam praticamente excluídos das importações européias.

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