São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 1994 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
É tão fácil
GILBERTO DIMENSTEIN BRASÍLIA – – Gosto de uma expressão utilizada por Fernando Henrique Cardoso, sintetizando seu projeto: a paixão pelo possível. Documento divulgado mundialmente esta semana mostra a estranha aversão brasileira ao possível. Apenas com o possível, mudaríamos em menos de uma geração a face social do Brasil. Não exagero: posso provar em pouquíssimas linhas.Documento da ONU listou países a partir de indicadores sociais. A comparação é devastadora ao Brasil: nações muito mais pobres exibem uma situação várias vezes melhor. Um caso em especial chama a atenção. Uma das regiões mais pobres do planeta é o sul da Ásia, onde está um país chamado Sri Lanka. Sua renda per capita é de US$ 540 –a brasileira é de US$ 2.770. Lá, em 1960, de cada mil crianças que nasciam 130 morriam antes de completar cinco anos. Hoje, são apenas 19, número próximo dos países do Primeiro Mundo. Vejamos o Brasil. Apesar de ostentar uma renda per capita várias vezes maior, apresenta uma mortalidade infantil que o coloca em 83º lugar. Traduzindo: 226 mil vidas por ano. Traduzindo mais: uma a cada dois minutos. Ou seja, até o leitor chegar a esta linha da coluna, pelo menos uma criança já morreu desnecessariamente. Uma nação miserável como o Sri Lanka prova o óbvio: todas essas mortes só existem por incompetência, falta de seriedade e de compromisso com a cidadania. Só. É quase um homicídio culposo. Tenho dúvidas sobre até onde vai a sensibilidade social de Fernando Henrique Cardoso: suspeito que ele tenha um indisfarçável asco por pobres. Prova disso é que, até agora, desde eleito, ele só andou por salões refinados. Seu contato com as camadas mais pobres intensificou-se na campanha, por motivos óbvios: voto. Se ele, porém, tem mesmo a "paixão" pelo possível, sua tarefa prioritária é batalhar com urgência urgentíssima para que, no mínimo, sejamos um Sri Lanka. PS – Reconheço, porém, que o novo governo tem duas pessoas qualificadas na área social: Adib Jatene e Paulo Renato de Souza. Diria mais: de todo o Ministério, cuja média está acima do razoável, são os mais qualificados. Resta saber se terão apoio da área econômica, que costuma ver dramas humanos só por estatísticas. Texto Anterior: A verdade e a indignação Próximo Texto: Os oitis do bulevar Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |