São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 1994
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Serra, a equipe e o jogo

LUIZ CARLOS BRESSER PEREIRA

A escolha de José Serra para o Ministério do Planejamento provocou reações contraditórias e exageradas na sociedade. Os críticos entenderam que a partir dessa decisão a coerência da estratégia de estabilização estaria ameaçada, enquanto que os empresários que apoiaram a indicação do novo ministro passaram a afirmar que agora a retomada do desenvolvimento está garantida.
A imprensa, por sua vez, salientou três fatos: primeiro, que haveria um conflito fundamental entre Serra e a equipe econômica (Malan, Arida e Bacha), porque estes defenderiam uma taxa de câmbio baixa (valorizada) e maior abertura comercial enquanto Serra advogaria políticas opostas; segundo, que a personalidade forte de Serra se transformaria em grave fator de conflito dentro do governo; terceiro, que no episódio Fernando Henrique teria demonstrado fraqueza e cedido às pressões, já que preferia Serra no Ministério da Educação.
Os dois últimos argumentos só valem se, antecipadamente, acreditarmos que o presidente eleito está disposto, de alguma forma, a ceder sua autoridade em matéria de política econômica. Se Fernando Henrique fosse incompetente na matéria, isto até poderia ser verdade. Não é, entretanto, o caso do presidente eleito, que foi o responsável pelo Plano Real.
Por outro lado, ele está profundamente imbuído de sua responsabilidade e autoridade como presidente. Seus ministros sabem disso e a imprensa também sabe ou deveria saber. A unidade de sua equipe é fundamental para ele, e não está ameaçada pela escolha de Serra para o Ministério do Planejamento.
Não está não apenas porque o presidente não tolerará dissensões dentro do governo, mas também porque o conflito sugerido entre os defensores de uma taxa de câmbio baixa (apreciada) e os propugnadores de uma taxa de câmbio alta (desvalorizada), não faz o menor sentido econômico, e muito menos faz sentido para os notáveis economistas que constituem a equipe econômica.
Pérsio Arida, por exemplo, tem dito sempre que o objetivo fundamental é garantir a estabilização através do aprofundamento do ajuste fiscal e da privatização, ao mesmo tempo que se garante um custo o menor possível para as empresas por meio de taxas de juros mais baixas e de taxa de câmbio mais alta.
Por outro lado, existe hoje um consenso entre os bons economistas brasileiros que o desafio fundamental do novo governo é o de aprofundar o ajuste fiscal. Só assim ele poderá baixar a taxa de juros e evitar a valorização do câmbio.
Dentro dessa perspectiva, podemos imaginar um jogo entre governo e empresários. O governo tem como prioridade um a estabilização dos preços e prioridade dois, o desenvolvimento. Os empresários invertem suas prioridades.
Além da privatização, que não está em debate, o governo dispõe de quatro políticas para estabilizar: o ajuste fiscal (que não é apenas redução de despesa, mas também aumento da receita tributária para cerca de 28% do PIB), uma taxa de juros alta, uma taxa de câmbio baixa e tarifas aduaneiras baixas.
No momento, o governo procura utilizar os quatro instrumentos para estabilizar. A equipe econômica, entretanto, só tem razoável controle sobre os três últimos. O ajuste fiscal é um problema muito mais complexo, que em parte escapa ao poder da equipe.
É claro que os dois jogadores gostariam de ter todos os instrumentos do seu lado, mas sabem que isso é inviável. Ora, já que se trata de um jogo cooperativo (senão todos perderão), por que, então, não pensar em uma troca: o governo cede dois instrumentos aos empresários em troca de seu apoio firme aos outros dois?
Nesse caso, é preciso saber o que ceder aos empresários. O critério do governo, para isso, é óbvio. Deverá ceder os instrumentos que garantirem aos empresários uma maior competitividade internacional. Ou seja, deverá procurar baixar a taxa de juros e elevar a taxa de câmbio.
Em compensação, os empresários dariam pleno apoio à manutenção da abertura comercial, que não prejudica as empresas realmente eficientes, e dariam maior apoio ainda ao ajuste fiscal, trabalhando em conjunto com o governo para a eliminação de subsídios e isenções de todo tipo, e para o aumento da arrecadação de impostos via redução da sonegação fiscal e via uma reforma tributária que não apenas simplifique o sistema e elimine os impostos em cascata, mas que de fato garanta uma maior receita para o Estado.
Dentro desse jogo –que faz todo o sentido para a equipe econômica– José Serra poderá desempenhar um papel altamente positivo. Conhece profundamente o sistema fiscal brasileiro e poderá dar uma contribuição importantíssima para o ajuste.
Uma vez isto conseguido, a perspectiva de uma taxa de juros menor e de uma taxa de câmbio menos valorizada poderá se transformar em realidade, com todo o apoio da equipe. Por outro lado, seu prestígio junto aos empresários poderá ser um trunfo para uma cooperação mais efetiva entre estes e o governo.
Em todo esse quadro é preciso não esquecer que Fernando Henrique liderará o primeiro governo social-democrata no Brasil. Seus compromissos, portanto, não são apenas com a estabilização e o desenvolvimento, mas também com uma ação mais efetiva do Estado na área social, visando reduzir as desigualdades econômicas. Sem isso, o Brasil jamais alcançará a modernidade.
Ora, para alcançar esse objetivo será também fundamental um ajuste fiscal bem-sucedido, produto efetivo da cooperação entre um Ministério do Planejamento forte e um Ministério da Fazenda mais forte ainda.

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