São Paulo, domingo, 18 de dezembro de 1994
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MIL E UMA MORAES

Aos dez anos, a futura cineasta ia com o pai a pré-estréias em Hollywood. Numa delas, conheceu o ator norte-americano Montgomery Clift, seu ídolo. "Fiquei paralisada, sem respiração", lembra

Antes de "Mil e Uma", Susana dirigiu três documentários de curta e média metragem: "Carlos Leão" (1974), "Museu Paulista" (1975) e "Vinicius de Moraes, um Rapaz de Família" (1980), este uma espécie de testamento do pai-poeta. "Libertário" é como ela define o personagem e como o mostra em "... Rapaz de Família", filmado aqui e na Argentina.
"Nem sei se sou cineasta", duvida ela. De fato, Susana Moraes sempre exerceu atividades paralelas nas artes em geral. Já traduziu alguns textos para cadernos culturais. Diz a crônica que foi a primeira mulher a produzir um espetáculo no Brasil, em 1966. Tratava-se de "Pois É...", show com os relativamente novatos Gilberto Gil, Maria Bethânia. E Vinicius.
Não só. Chegou mesmo a arriscar-se cantando, em festivais. Teve certo brilho como atriz de teatro, nas peças "A Perda Irreparável", dirigida pelo mito Ziembinski, e a legendária "Arena Conta Zumbi", de Augusto Boal. Por essa época, o final dos anos 60, foi convocada a prestar inquérito no então Serviço de Ordem Política e Social (SOPS), no Rio.
O motivo: participar de "comícios-relâmpago" contra as organizações de ultra-direita CCC (Comando de Caça aos Comunistas) e MAC (Movimento Anti-Comunista). Seu advogado era o atual governador do Rio de Janeiro, Marcello Alencar, em quem votou nas últimas eleições. De resto, foi de PT e PV "de ponta a ponta". E FHC para presidente.
"Fernando Henrique é um homem culto, há de valorizar o audiovisual no Brasil", acredita. "Diferente daquele gangsterzinho do Collor, que acabou com o cinema nacional por vingança." Se o assunto é esse, ela se exalta. Fala articuladamente, pronuncia palavras estrangeiras com rigor e exibe o diastema que traz nos dentes, igual ao da ex-ministra Zélia.
"Nossa elite só se preocupa com 'cocktails' e conversa mole, tem a mentalidade do século 19 e não percebe a importância comercial do cinema", diz. "É a forma de propaganda mais fina que se pode fazer, vende o way of life brasileiro", empolga-se. Tanto que Anna Karina levanta-se do corredor, de onde acompanhou a entrevista toda, e vem à sala ver o que acontece.
Pára ao lado de um pacote amassado de uma loja de CD, jogado no chão, com o endereço impresso: Rua Vinicius de Moraes, 107, Ipanema. Acima da cadela, a parede segura uma foto de Tom Jobim (1927-1994) abraçado à sua dona. Ao centro, no sofá, Susana Moraes defende o Brasil. Parece ter razão.

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