São Paulo, domingo, 25 de dezembro de 1994
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2005

ANTONIO KANDIR

Este o ano estabelecido na Declaração de Miami, assinada por 34 chefes de governo no último dia 11, para que estejam concluídas as negociações visando a criação da Área de Livre-Comércio das Américas (Alca).
Parece um ano longínquo, mas não é. Está logo ali, depois da virada do século. E o Brasil precisa pôr-se em alerta para fazer face às ameaças e oportunidades colocadas pelo documento do qual foi um dos principais signatários.
Pode-se argumentar que a Alca terá dificuldade de sair do plano das intenções, pela heterogeneidade das diversas economias do continente e pela presumível resistência do Congresso americano a tentativas mais ousadas de ampliação das zonas de livre-comércio em que seu país esteja incluído.
Ambos os argumentos são razoáveis. Mas não justificam paralisia diante dos desafios já colocados pela implantação prevista da Alca em 2005. Tanto mais porque, nos últimos anos, os céticos quanto às possibilidades de integração ampla de mercados nacionais têm sido desmentidos.
Haja visto a consolidação do Nafta, os progressos da União Européia e o enorme avanço do Mercosul, que hoje, após as negociações concluídas em Ouro Preto (MG), já está com seus lineamentos jurídicos quase definidos.
Acresce que a Declaração de Miami não é apenas uma carta de princípios, mas inclui também um plano de ação para a integração das Américas. Isso já é indicativo de evolução substancial em relação à proposta original da Cúpula das Américas, feita há cerca de um ano pelo vice-presidente norte-americano, Al Gore, e classificada, à época, de "muito vaga".
O Brasil, mais especificamente o Itamaraty, teve papel decisivo para que a Declaração de Miami não fosse mera peça retórica.
Os Estados Unidos reconheceram a intervenção decisiva do Brasil na formulação do documento (por sua abrangência maior e conteúdo mais pragmático, assim como pelo prazo mais curto para entrada em vigor da área de livre-comércio, a Declaração de Miami contrasta com o acordo assinado, no mês anterior, pelos países filiados à Apec – Asia Pacific Economic Cooperation, no qual se incluem EUA, México e Chile).
Ao interferir positivamente nas negociações, o Brasil mostrou maturidade e ousadia, confirmando o impulso de integração do país a espaços econômicos mais amplos. É preciso agora prepararmo-nos para extrair o máximo das virtualidades positivas desse processo.
Isso implica estabelecer diagnóstico o mais preciso possível sobre os impactos setoriais da integração das Américas e definir, no campo de uma política industrial a ser construída, o conjunto de ações necessárias para que estejamos em condições de participar da integração de modo ativo e, no agregado, com benefícios significativos para a economia e a sociedade brasileira.
Para dar eficácia a essas ações, deve-se estabelecer um cronograma de acompanhamento, com metas setoriais quanto à produtividade e qualidade, e mecanismos de verificação e controle.
No campo geral das políticas de governo, é preciso consolidar em definitivo a estabilização econômica, sem o que não poderá haver harmonização com as políticas dos outros países envolvidos, muito menos o necessário "upgrade" de nossa estrutura industrial, em termos de qualidade e produtividade. Mas a estabilização não basta.
Cumpre também reconstruir os instrumentos de política industrial, não mais os instrumentos clássicos, subsídios e quejandos, que levaram o Estado ao esgotamento financeiro e encontram resistência nas negociações comerciais entre países e blocos.
Nesse processo de reconstrução, no contexto de uma economia globalizada, é preciso articular as ações de instituições e atores, públicos e privados, implicados no campo da política industrial e da política externa. Sem o que a integração competitiva do Brasil ficará prejudicada.

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