São Paulo, domingo, 25 de dezembro de 1994
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BÓRIS, O VERMELHO

JORGE AMADO

Teria em realidade existido alguém, ser humano de carne e osso, que respondesse ao nome, melhor dito, ao apelido de Bóris, o Vermelho? Esta a primeira pergunta a fazer-se entre tantas outras, todas absurdas –e eu a faço em pânico–, quando se inicia a busca da identidade (se é que ela existe) do moço de Itapuã, sua face perdida nas implicações da legenda: monstruoso bandido, incomparável herói.
Ora, a verdade manda que se conte que de Bóris nada restou, sequer a poeira das cinzas esparsas em qualquer parte do sítio sigiloso das manobras. Tudo, absolutamente tudo, desapareceu sem deixar rastro visível, virou fumaça no clangor da batalha.
Não se tem notícia de cruz votiva em sepultura, inscrição com datas, local e circunstância de nascimento e morte, flores murchas sobre o mármore da tumba, de epitáfio nem falar. Esperança vã, as fossas recém-descobertas onde jaziam amontoados corpos de centenas de vítimas das polícias civis e militares naqueles anos, não ocultavam a carcaça do Vermelho.
Dele nada sobrou: nem um canto de unha, nem um fio de cabelo. Tudo se desfez, sumiu para sempre e nunca mais. Tiro de canhão não é brincadeira, meu camarada, se não sabe, fique sabendo.
De Bóris, o Vermelho, persiste apenas na lembrança de alguns vadios rapazes de então que, com o passar do tempo, se fazem senhores respeitáveis, na saudade das namoradas, na insônia dos sicários? –persiste apenas o eco da risada solta, doida gargalhada, ressonância de sinos em aleluia, indelével memória.

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