São Paulo, quinta-feira, 29 de dezembro de 1994
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Serra tem esquema para dominar economia

FERNANDO DE BARROS E SILVA
DA REPORTAGEM LOCAL

O futuro ministro do Planejamento, José Serra, já se prepara para ser o segundo homem da República. A intenção de Serra contraria o que disse Fernando Henrique Cardoso ao anunciar seu ministério, quando sugeriu que Pedro Malan, da Fazenda, irá chefiar a política econômica.
Tucanos ligados ao economista avaliam que Serra já tem em mãos os instrumentos que lhe darão superpoderes para enfrentar as prováveis divergências com os demais membros da equipe econômica e se impor como o centro nervoso da condução da economia do país.
Nomeado sob forte pressão do empresariado, sobretudo industriais paulistas que apostaram nele para ver atendidas suas reivindicações, Serra terá um peso muito maior do que qualquer um de seus antecessores.
Além de controlar o orçamento e a reforma do setor público, o economista terá sob sua esfera de influência pelo menos cinco ministérios (Comunicações, Casa Civil, Educação, Secretaria da Administração Federal e Indústria e Comércio) e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Velhos amigos
As duas primeiras pastas estão entregues a pessoas da mais estrita confiança de Serra. O empresário Sérgio Motta e o economista Clóvis Carvalho não escondem sua dívida e fidelidade em relação ao novo titular do Planejamento, do qual são amigos há décadas.
O caso de Paulo Renato Souza, da Educação, é mais delicado. Ambos estão com relações abaladas desde que Serra o "derrubou" do Planejamento. Paulo Renato, que foi assessor de Serra durante o governo de Franco Montoro (1982-86), não esconde entre amigos sua mágoa. Serra terá que trabalhar para reconquistá-lo.
A nova titular da Indústria e Comércio, Dorothéa Werneck, que mantém linha direta com a Fiesp, não deverá ser mais que um apêndice do Planejamento, trabalhando em sintonia fina com Serra. Este não abre mão da condução da política industrial do país.
O mesmo deve ocorrer com Luiz Carlos Bresser Pereira, da SAF. Para mudar a estrutura do funcionalismo, revendo entre outras coisas a estabilidade e os planos de carreira, ele depende do aval político de Serra, que estará encarregado da reforma mais ampla do setor público.
Conflito latente
O BNDES é um caso à parte. Como está subordinado à sua pasta, Serra terá supostamente o controle sobre o processo de privatização, decisivo para consolidar a estabilização ainda em 1995.
Amigos próximos do tucano, no entanto, já prevêem um conflito latente a ser administrado por Fernando Henrique entre Serra e o presidente do BNDES, Edmar Bacha, aliado natural do futuro ministro da Fazenda, Pedro Malan.
Quando foi nomeado para o cargo, Bacha tomou a indicação como um prêmio pelo trabalho como assessor especial da Fazenda e um dos maiores responsáveis pelo Plano Real. Ele havia manifestado a FHC o desejo de voltar a morar no Rio de Janeiro, sua cidade.
A indicação de Serra para o Planejamento cria uma situação de desconforto. Bacha forma com Malan e Pérsio Arida, futuro presidente do Banco Central, o trio responsável pela atual política cambial, que tem em Serra um de seus maiores críticos.
Um cenário provável, admitem os tucanos pró-Serra, é que Arida, e não Bacha nem Malan, seja o principal foco de atrito com o Planejamento no início do governo. O ultra-liberalismo do primeiro não casa com visão de uma política industrial articulada pelo governo, como pretende o segundo.
Banho-maria
Seja como for, a ação de Serra será muito cuidadosa nos primeiros meses de governo. Evitar choques frontais com o grupo de economistas cariocas e ganhar espaço aos poucos, sem alarde, será sua estratégia no início.
Deve ser entendida neste contexto a declaração de Serra, logo após ser nomeado para o Planejamento, de que não falaria em público sobre a política cambial. Internamente, ele continuará sendo uma voz discordante.
Ao mesmo tempo em que pretende cozinhar o grupo carioca em banho-maria, Serra vai adotar medidas drásticas na área fiscal, cortando na carne os gastos do governo para sanear as contas públicas.
Um membro da atual equipe econômica diz que, perto do que vem pela frente, os cortes feitos pelo governo Itamar vão parecer "brincadeira de criança".
A idéia de Serra é coordenar a passagem gradual da âncora cambial (que significa manter o real sobrevalorizado em relação ao dólar) para a âncora fiscal.
A recente crise da economia mexicana mostrou a vulnerabilidade da âncora cambial, jogando água no moinho de Serra, que não poderia ter recebido presente melhor de Natal. O governo mexicano não tem mais reservas internacionais para conseguir manter o dólar desvalorizado.
Delfim em dobro
Segundo uma análise difundida dentro do grupo de Malan, a intenção de FHC ao escolher Serra foi trazer para perto de si a administração de um conflito que seria inevitável. Serra causaria menos problemas dentro do governo, tendo que estar comprometido com o real, do que fora dele, palpitando sobre a condução da economia a partir do Senado.
Olhando a composição do ministério de FHC, o ex-ministro Delfim Netto diz que há "uma inegável contradição interna", expressa nas figuras de Serra e Malan. Mas faz a ressalva: "Estão dando importância demais para as diferenças entre os ministros".
Outro analista qualificado, o cientista político José Luís Fiori, parceiro da economista Maria da Conceição Tavares no livro "Desajuste Global - a Nova Desordem Internacional", acredita que hoje Serra vale por "dois Delfins". A imagem refere-se ao período em Delfim Netto era o homem forte do regime militar durante o chamado "milagre".
"Serra e Sérgio Motta são uma pessoa só", diz Fiori. "É muita força, se você pensar que as comunicações, além de politicamente estratégicas, são o filé mignon dos negócios nos próximos anos". Segundo ele, ao escolher Motta para as Comunicações, "FHC sinalizou que o projeto de poder dele e dos tucanos é mesmo de longo prazo".
Dentro dessa estratégia, Serra é desde já um sério candidato à sucessão presidencial de 1998. Se a Fazenda foi a ponte de FHC para a Presidência, o Planejamento desponta como provável trampolim para as ambições de Serra.

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