São Paulo, quinta-feira, 29 de dezembro de 1994 |
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Prazer e trabalho brigam em "Beijo"
JOSÉ GERALDO COUTO
O diretor Walter Rogério viu que isso dava filme. E fez "Beijo 2348/72", uma deliciosa comédia que põe para brigar o princípio do prazer e o princípio da realidade. Entre os muitos acertos do cineasta, o principal foi a escolha do ator Chiquinho Brandão (que morreu antes de o filme ser lançado) para o papel do operário beijador. É arrebatadora a performance de Brandão como o palerma que se apaixona pela musa de periferia interpretada por Maitê Proença (o terceiro vértice do triângulo é a ótima Fernanda Torres). Como os grandes cômicos do cinema mudo, Brandão apanha dos seres e das coisas ao seu redor (a observação é de Marcelo Coelho). Cambaleia, cai, levanta e retoma o prumo. Muda de cara, de roupa e ocupação (de operário a mendigo, de mendigo a gigolô, de gigolô a catador de garrafas), mas sempre com uma determinação positiva, inquebrantável. Sua presença irradia calor e alegria. "Beijo" é uma comédia eminentemente popular, o que não implica que seja grosseira ou pouco inteligente. Pelo contrário: é um dos filmes mais sutis e delicados dos últimos tempos. Sua postura irônica diante dos clichês românticos é um achado. Sua realização, em alguns momentos, é primorosa, sobretudo no rico jogo entre som e imagem. Um exemplo: o operário sonha que dança com sua amada na fábrica vazia. Aos poucos, à medida que acorda, a realidade vai invadindo o sonho: primeiro, é a voz da dona da pensão que substitui a de Maitê, depois é o diálogo que se transforma, depois a própria dona da pensão invade a cena. "Beijo", nesses momentos, é uma obra de notável sofisticação. Só que busca sua poesia no ônibus cheio, na fábrica, na pensão, no botequim, na vida de todo dia. O irônico da história é que o filme amargou quatro anos nas prateleiras, período longo o suficiente para que a crise econômica acabasse com o público e com os próprios cinemas mais populares. Uma cena alude a esse processo: aquela em que o protagonista é acordado pelo "lanterninha" num cinema vazio da "Boca do Lixo". Mas a sequência que vem a seguir –Chiquinho Brandão dublando um bolerão de Nelson Gonçalves e cortejando uma prostituta– é uma espécie de vingança da poesia contra a sordidez dos tempos. Aqui, o princípio do prazer sai vitorioso.(JGC) Vídeo: Beijo 2348/72 Direção: Walter Rogério Elenco: Chiquinho Brandão, Maitê Proença, Fernanda Torres Distribuição: Alpha Filmes (tel. 011/230-0200) Texto Anterior: Clássicos heroificam cidadão americano Próximo Texto: "O Caso Roswell" erra até nos clichês Índice |
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