São Paulo, quinta-feira, 3 de fevereiro de 1994
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Crateródromo

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES

SÃO PAULO – A operosa administração de Paulo Maluf à frente da Prefeitura paulistana já conseguiu seu melhor símbolo: o buraco.
Esta depressão natural ou artificial da superfície externa de um corpo é tão conhecida dos brasileiros quanto o cigarro depois do cafezinho. Houve uma época em que o Rio era indiscutivelmente o maioral. Lembro-me de uma paródia infantil da marcha-hino "Cidade Maravilhosa": "Cidade maravilhosa /cheia de urubu /Cidade maravilhosa /tem buraco pra chuchu".
Os buracos podem continuar atrapalhando a vida da Cidade Maravilhosa, mas é inegável que São Paulo, também neste item, está batendo fragorosamente o balneário.
A conquista da primazia da buraqueira não é, diga-se, uma obra isolada de Maluf. É um caso raro de continuidade administrativa: o experiente administrador foi precedido na matéria por Luiza Erundina –cujos orifícios em via pública serviram até de mote para publicidade de biscoito.
Mas a simpática ex-prefeita, tão solidamente formada em princípios coletivistas, mostrava-se fiel à tese distributiva: em vez de poucos, grandes e concentrados buracos, vários. E socialmente equacionados, segundo a lógica das economias planificadas. Dos Jardins à periferia, todos tinham sua quota –a cada um de acordo com suas necessidades.
No caso de Maluf também impõe-se o estilo do alcaide: adepta da grande obra, da intervenção hipervisível no espaço urbano, a gestão malufista operou uma mudança de escala nas cavidades. Os buracos investem-se agora de uma monumentalidade ímpar. Não são mais buracos, são crateras.
A mais famosa delas, a Cratera do Itaim, tem oferecido espetáculos hidráulicos inesquecíveis para a população do bairro e da cidade. Técnicos e especialistas discutem seriamente o que fazer com a desafiadora fenda, que teima em abrir-se ao céu a cada chuva. Incapazes de fechá-la, deveriam ceder à força da concavidade e encomendar ao Oscar Niemeyer um crateródromo para a região –que, evidentemente, em épocas de sol poderia ser utilizado como escola pública, com a vantagem adicional de gerar empregos e criar um novo atrativo turístico nesta progressista capital.

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