São Paulo, quinta-feira, 3 de fevereiro de 1994
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Veneza exige que todos se mascarem e sejam outro

ROBERTO CATTANI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Carnaval em Veneza é mascarar-se numa cidade que já parece ficção, jogo, cenário de cinema ou de teatro. É fácil entrar no clima de disfarce quando tudo em volta transporta para outra época, outra mentalidade. Em qualquer período do ano a cidade parece convidar os visitantes a uma conspiração para deixar de fora o mundo moderno e sua parte de feiúras.
Essa impressão de cumplicidade chega ao máximo durante o Carnaval: então, quem está em Veneza não pode ser um simples espectador, deve cumprir seu papel, e participar, representando. Qualquer papel, máscara e personagem que seja, mas representar, não ser si mesmo.
Se esse conceito está presente na concepção mesma da festa do Carnaval, é em Veneza que é levado às últimas consequências. A idéia de máscara faz parte de Veneza. É uma cidade secreta, escondida, um labirinto à Borges, onde é possível perder-se num "portico", numa "calle", num "fondaco", e cair numa realidade bem diferente.
Lembro de ter entrado, por ordinária curiosidade, num portão decrépito, e de ter topado num canal bem estreito e, na frente, a "Casa do Vento": um palacete com a fachada toda coberta de máquinas complicadas que mexem com o vento, hélices, moinhos assimétricos, turbilhões mecânicos, engenhos sonoros. O que isso tem a ver com o Carnaval? Tem, tem, pois até a casa parecia disfarçada, em máscara, lúdica.
Os venezianos chegavam a usar máscaras –a famosa "baútta" (lembram o "Casanova", de Fellini?), debaixo do tricórnio– mesmo fora do Carnaval, como garantia de discrição e segredo. No Carnaval de Veneza, é importante não deixar transparecer quem você é, fazer charme, seduzir, sem que se saiba quem está atrás do costume.
Há também o fato contingente do clima: o mês de fevereiro em Veneza é inverno, é úmido e frio, nada de mulatas vestidas só de paetês, e o disfarce é de corpo inteiro, bem protegido.
Os pontos mais quentes, para matar o frio desta época do ano em Veneza? Os bailes populares no Campo San Polo e Campo Santo Stefano, os bailes das famílias nobres que ainda conservam seus palacetes com vista sobre o Canal Grande, como os Gussoni Grimari della Vida, as ruas em volta da Piazza San Marco, a Ruga degli Orefici e a praça na frente da igreja de San Mosè.

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