São Paulo, domingo, 6 de fevereiro de 1994
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Vieira procura alianças anti-Lula

ELEONORA DE LUCENA
SECRETÁRIA DE REDAÇÃO

Um "outsider", mas não um aventureiro. Assim se define José Eduardo Andrade Vieira, 54, dono do Bamerindus e candidato à Presidência da República pelo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). Senador pelo Paraná e ex-ministro da Indústria, Comércio e Turismo do governo Itamar, Andrade Vieira diz que pretende ser um "gerente" para o país.
Como seu partido é pequeno, ele está em busca de alianças. Em todas as alianças anti-Lula possíveis. De um lado, conversa com Pedro Simon para articular uma frente PMDB, PSDB, PDT e PTB. De outro, fala com Paulo Maluf e Antônio Carlos Magalhães para amarrar PPR, PFL, PP e PTB. Se as conversações não evoluírem, Andrade Vieira afirma que sua candidatura fica "pouco provável". "Não sou um aventureiro", declara.
Por enquanto, Andrade Vieira é candidato, mas evita falar de pontos concretos de seu programa. Genericamente, afirma poder arrumar o Brasil em 12 meses com um programa liberal. Promete reduzir juros, punir a especulação, fazer uma reforma agrária, gerar empregos e derrubar a inflação.
Acha que sua história de banqueiro não atrapalha. Afinal, nas suas mãos o Bamerindus pulou, em 12 anos, de 8º para o 3º lugar no ranking dos bancos privados. Nesta entrevista, concedida em São Paulo na semana passada, ele fala de seus adversários e critica o ministro Fernando Henrique Cardoso: "Ele não é do ramo."
*
Folha - Qual é seu projeto de governo?
José Eduardo Andrade Vieira - Eu não cheguei a formular um projeto. A gente conhece os problemas sociais, o desemprego, o problema da saúde, da educação. São problemas que nestes 15 anos não vêm sendo tratados com a devida atenção por parte das autoridades. Tem a questão da infra-estrutura básica, que está abandonada há 10 anos, estradas, da agricultura, da armazenagem. Eu acho que a política industrial como um todo cabe ao empresariado definir, não ao governo. Obviamente o governo tem que dar um suporte. Nós vamos resolver o problema do desemprego gerando emprego, através de uma política econômica e industrial. A questão agrária é problema por sua baixa produtividade na maioria das regiões e pelo êxodo rural. Porque nós não tivemos nenhuma política que fixasse o homem no campo.
Folha - É o caso de uma reforma agrária?
Andrade Vieira - É o caso de uma reforma agrária. Não no sentido de tomar a terra e desapropriar. Tem que ser de uma maneira fiscal: se não eliminar o uso da terra como reserva de valor, pelo menos tirar esse aspecto especulativo que existe hoje, tanto na área rural como na urbana. Acho que os impostos sobre a terra improdutiva são muito baixos, são mal aplicados. É preciso também mudar o Estatuto da Criança, que contribui para piorar a situação do menor de rua.
Folha - O sr. disse que acabaria rapidamente com os problemas das dívidas interna e externa. Como seria isso?
Andrade Vieira - Nós temos notícias de que o sistema financeiro se recusou a rolar títulos de prazo curto do governo com taxas altíssimas. Isso é desconfiança ou especulação. E o governo não teve forças para dar uma solução satisfatória, barata para o problema. E eu, com certeza, daria porque eu conheço o mercado.
Folha - E qual seria a solução?
Andrade Vieira - Dando tranquilidade, dando perspectiva do que vai acontecer no futuro.
Folha - Mas isso é suficiente?
Andrade Vieira - No caso é, porque todos os indicadores econômicos são favoráveis. O que acontece é que há insegurança em relação ao Plano, à URV, ao aumento da carga tributária.
Folha - E a questão da dívida externa?
Andrade Vieira - Há maneiras de se contornar esse problema. Como eu sou do ramo financeiro, eu conheço, acho que teria condições de resolver isso rapidamente.
Folha - Como?
Andrade Vieira - De uma maneira boa, que ninguém perca. Porque o que gera desconfiança são as peças que o governo prega no sistema de vez em quando. Não é só no sistema financeiro. Os trabalhadores vivem sofrendo calote, seja no salário, no fundo de garantia, nas suas poupanças. Isso gera esse clima de desconfiança. E a primeira coisa é acabar com isso, é cumprir a lei.
Folha - Se, como o sr. diz, sua experiência pode facilitar a resolução de uma série de problemas, ela também não pode prejudicar sua imagem? O fato de ser banqueiro não dificulta a sua candidatura?
Andrade Vieira - Eu não sou banqueiro. Eu sou empresário, fazendeiro, pecuarista, industrial. Se isso fosse problema eu não seria senador. Fui senador com o dobro de votos do segundo colocado no meu Estado. Quem quiser saber quem eu sou, pergunte a qualquer funcionário do Bamerindus. Tem no Brasil inteiro. Eles podem ser avalistas da minha conduta.
Folha - Mas a imagem de banqueiro não prejudica sua candidatura? Os banqueiros não são vistos como aqueles que se dão bem na história enquanto os demais perdem?
Andrade Vieira - Não são vistos porque a maioria do público não lê jornal, não passa essa imagem. Eles não têm informação correta e os que têm sabem que quem fixa a política de juros no Brasil é o Banco Central. Não são os banqueiros. Os banqueiros ora são beneficiários de uma política errada, ora são vítimas dos pacotes.
Folha - Mas os balanços dos bancos mostram que eles vão muito bem, bem melhor que o conjunto das empresas. Muitos afirmam que os bancos se beneficiam com a inflação alta, que são sócios da inflação.
Andrade Vieira - Quem ganha com a inflação é o governo. Ele é o maior beneficiário. São sócios da inflação todos aqueles que têm uma poupança. Por que há concentração de riqueza? Porque todos aqueles que têm uma poupança ganham mais com os juros do que trabalhando. Essa é a questão crítica. Se eu vender todo o meu patrimônio e puser nos bancos, eu vou ganhar mais do que trabalhando. No momento em que o governo acertar uma política correta, imediatamente os bancos também acertarão. E aqueles que não acertarem são os especuladores, que tem que ser punidos. Também hoje não há punição. E precisa punição.
Folha - Mas se a inflação cair, muitos bancos não vão ter dificuldade para sobreviver?
Andrade Vieira - Eles vão ter dificuldade uns poucos meses pelas mudanças que vão acontecer. Mas se a inflação acabar e as taxas de juros caírem, os empresários vão voltar a investir nas suas empresas para aumentar a produção, que é o que precisa acontecer: gerar emprego para resolver o problema do trabalhador. E os bancos vão emprestar dinheiro para os empresários com taxas muito mais baratas do que hoje. O que há é uma intervenção brutal no sistema bancário, que cria distorções muito grandes na economia. Mas o pessoal que dirige o Brasil não entende nada de economia nem de banco; os economistas não entendem nada, pois eles não conhecem o mercado. Eles conhecem a teoria.
Folha - O Brasil passou nos últimos anos por vários pacotes, choques. Algum deles se aproxima do que o sr. pretende fazer?
Andrade Vieira - Não, a não ser pelo que não se deve fazer. Eu sou liberal, acho que o governo não tem que intervir -apenas nos desvios que possam acarretar perdas para a população. O governo tem que ser um avalista do sistema. Mas o sistema tem que funcionar livremente. É aquela história: se há especulação, tem que punir a especulação. O governo tem que ser um agente de inibição à especulação e de estímulo à produção.
Folha - O que o sr. faria no seu primeiro dia de governo?
Andrade Vieira - Eu nomearia um ministério de, no máximo, 12 pessoas; os presidentes das oito principais estatais, faria uma reunião com esse pessoal, definindo a política. E daria um aviso: quem desviar está na rua.
Folha - Mas o sr. quando tomou posse no ministério logo se opôs a uma medida defendida pelo governo, um novo imposto, que virou agora o IPMF. Foi um bom exemplo?
Andrade Vieira - Foi. Todo ano tem aumento da carga tributária.
Folha - Mas e a questão da fidelidade ao programa, que o sr. está colocando como fundamental, como é que fica?
Andrade Vieira - Mas eu vou dar oportunidade de discussão. Eu tenho um projeto e vou discutir o projeto. Quem aceitar o projeto e depois desviar será demitido sumariamente. Porque o compromisso é com a nação, não comigo. E eu assumo esse compromisso e arrumo o Brasil em 12 meses. Se eu não arrumar, eu saio.
Folha - Mas qual seria a fórmula para resolver?
Andrade Vieira - Trabalhar com seriedade.
Folha - Objetivamente...
Andrade Vieira - Acabar com a inflação, reduzir as despesas com os ministérios.
Folha - Mas qual é a sua proposta para acabar com a inflação?
Andrade Vieira - Hoje o problema da inflação não é o déficit, que é muito pequeno. A inflação tem hoje três causas principais: desconfiança dos planos e das mudanças na política econômica; a excessiva carga tributária, que eleva custo de determinados produtos –é a indexação pelo juro e pela carga tributária (Cofins, IPMF)–; e a questão da carestia, da entressafra, porque não há uma política de abastecimento.
Folha - Em relação à política de juros, o que o sr. faria?
Andrade Vieira - Eu acho que eu ganhando imediatamente haverá uma queda nos juros.
Folha - Por quê?
Andrade Vieira - Pela confiança. Porque a classe empresarial vai dizer: esse homem conhece o sistema.
Folha - Mas muita gente pode perguntar: um banqueiro vai reduzir os juros?
Andrade Vieira - Com certeza eu vou reduzir os juros.
Folha - Como está o seu apoio junto aos empresários?
Andrade Vieira - Há empresários com preferências em todos os partidos. Eu sou muito conhecido e tenho vários segmentos da classe empresarial comigo. Assim como dos trabalhadores.
Folha - O sr. se considera um "outsider" em relação às demais candidaturas de 94?
Andrade Vieira - Eu diria que sim. Porque eu não sou um político. Sou um empresário. Eu estou na polítca para dar uma contribuição.
Folha - Essa imagem de "outsider" ajuda ou atrapalha? Collor ganhou com essa imagem.
Andrade Vieira - Collor correu por fora falando mal da classe política. Era uma eleição solteira, com características peculiares. Eu nunca falei mal de políticos. Esse governo, por exemplo, é sério. Eu participei dele, conheço as pessoas. Eles querem realizar mudanças, mas não sabem, não têm a experiência necessária. Os economistas que estão lá nunca trabalharam no mercado. O próprio ministro não é do ramo. Mas ninguém pode questionar o esforço que eles estão fazendo para acertar. O que o Brasil precisa é de um gerente certo. E eu seria esse gerente, porque tenho a experiência da área da agricultura, da indústria, da financeira e da trabalhista. Porque eu sou um dos grandes empregadores do país. Eu vou governar com os políticos, fazer alianças com eles. Eu vou conseguir do Congreso tudo o que eu quiser porque eu conheço a Casa. Assim como eu conheço acadêmicos e empresários e políticos para formar uma ótima equipe para dirigir o Brasil.
Folha - O sr. deu um apoio intenso ao ex-presidente Collor. Isso não lhe prejudica agora?
Andrade Vieira - Não tem nada a ver. O Collor foi uma tentativa fracassada.
Folha - O PTB é um partido pequeno. O sr. deve buscar alianças. Como estão as suas negociações?
Andrade Vieira - Há duas possibilidades de aliança. Há um esforço do PSDB, do PTB, de uma parte do PMDB de se fazer uma aliança, atraindo o PDT já no primeiro turno. O nome não está definido. Pode ser o Tasso, o Fernando, pode ser eu, o Simon, o Britto. Está aberto.
Folha - O fato de essa não ser uma eleição solteira não dificulta as alianças no primeiro turno?
Andrade Vieira - Esse é o problema. Mas tudo na vida tem problema. Outra aliança possível é: PPR, FFL, PP e PTB.
Folha - Nesse grupo os candidatos estão mais indefinidos.
Andrade Vieira - O Maluf me disse que não tem nada definido de que seja candidato.
Folha - E o sr. Jarbas Passarinho?
Andrade Vieira - Acho pouco provável. Hoje as candidaturas definidas são Lula e Brizola.
Folha - Fernando Henrique é uma candidatura definida.
Andrade Vieira - Todas as vezes que eu conversei com ele, ele me disse que não. Ele está na minha posição: é uma alternativa. Eu me coloco como uma alternativa dentro de uma aliança.
Folha - E dentro do PMDB? Quércia ou Britto?
Andrade Vieira - Pedro Simon. É claro que não é fácil conseguir uma aliança dessas no primeiro turno, mas vale o esforço. Na mesa não se discutem nomes. Até porque acho que, se o ministro Fernando Henrique conseguir melhorar a situação da inflação, ele cresce.
Folha - E Antônio Carlos Magalhães?
Andrade Vieira - É um grande eleitor, como José Sarney. O que eu acho é que não se governa sem os políticos.
Folha - Então o sr. considera as alianças fundamentais para a sua candidatura?
Andrade Vieira - Para qualquer uma. A não ser alguém que disponha de um partido muito forte. O PMDB é um partido estruturado no Brasil todo. Se ele tiver um nome -e tem- não precisa formar alianças, porque é o maior partido. Agora, os partidos médios têm que formar alianças.
Folha - Então o sr. descarta uma candidatura sua sem alianças?
Andrade Vieira - É pouco provável. Eu não descarto porque até março, abril, temos muito tempo. De repente a minha pregação pode cair no agrado do eleitor e eu surpreender nas pesquisas. Eu não descarto nenhuma hipótese, mas eu não sou um aventureiro.
Folha - O sr. falou em ser um gerente para o Brasil. Empresários no passado, como Antonio Ermírio, tentaram ganhar com essa imagem de empreendedores e não venceram na política. O sr. acha que o eleitorado tem resistência em votar em empresário?
Andrade Vieira - Nenhuma. O que faltou ao dr. Antonio Ermírio foi experiência política.
Folha - O sr. acha que o plano FHC é recessivo?
Andrade Vieira - Sem dúvida. Juros altos e aumento dos impostos é recessão. Se o plano for bem-sucedido teremos recessão. A indefinição sobre a URV também gera insegurança. Na dúvida, os preços aumentam.
Folha - O sr. é a favor da privatização da Petrobrás?
Andrade Vieira - Como um liberal, sou a favor da privatização de tudo. Obviamente que, num país como o Brasil, a Petrobrás com sua história, o Banco do Brasil, a própria Eletrobrás, não se conseguiria fazer isso tudo em dois ou três anos. Nem eu acho que fosse o caso. Dado o tamanho e as implicações que a estatização tem, teria que ser feito um programa de médio e longo prazos.

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