São Paulo, domingo, 6 de fevereiro de 1994
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Boas notícias, várias

RICARDO SEMLER

Tou parecendo um velho resmungão, dizem minhas cartas. Só falo mal de todo mundo, estou chutando a jaca com os dois pés, escrevem. Pois, pois. Têm razão. É que a indignação não pára de aflorar, o sangue sobe de ver o quanto somos tomados pelos trouxas que, de fato, somos. Não são só os buracos do Maluf e do ACM, dos quais os piores e mais escancarados são as bocas. Nem circulares do Quércia que atestam sua irrestrita idoneidade. Nem os deputados que resolvem devolver bilhões de dólares agrícolas a si e amigos, nem o Collor posando na praia com ar de dignidade, nem mesmo as festas de empresários bandidos, regadas a dinheiro roubado, celebrados com elogios nas colunas sociais paulistanas. Bom, então, vai ter URV. E como o cruzeiro estará a quase mil por dólar no dia 1º de Abril, nada como tirar três zeros e fazer um real valer um dólar. Simples, não? Inflação em reais já no primeiro mês? Claro, senão perde a graça.
Então, as boas notícias, onde estão? Olha, tem o fato de que o mundo está numa lama de dar gosto. E que ninguém se importa mais com o Clinton ser mulherengo a ponto de deixar qualquer Kennedy constrangido. E que o Michael Jackson achou uma solução bem brasileira –dar uma grana pra abafar tudo. Taí, notícia boa: estamos exportando know-how. Ah, tem o Vietnã. Depois de bilhões de dólares e mais de um milhão de vidas, os EUA chegaram à conclusão de que o Vietnã do Sul, administrado pelos comunistas do norte, é um dos mercados mais promissores da Ásia. Portanto, reataram relações. Em pouco mais de uma década, fizeram do Vietnã o que os EUA foram lá brigar pra fazer –tornar o país uma economia desejável e de mercado. O mundo gira e a lusitana roda. Portanto, os organizadores de Woodstock irão re-editar o festival, na mesma fazenda do Max Yasgur, 25 anos depois. Na mesma época em que os três Beatles farão audições para escolher o quarto, e o cantor do Sepultura estará em delegacias explicando porque pisou na bandeira, enquanto lá fora outras seis bandeiras são usadas para enterrar crianças assassinadas com auxílio de delegados.
Oa, oa, segura a rédea, meu filho. Voltando às boas notícias. Sim, tem a eleição, que será movimentada e divertida. Lula numa péssima situação, já que nada é pior do que ser favorito um ano antes do pleito. Todas as alianças, desde a turma da ditadura, juntando Maluf, governadores malvadinhos, e outros em estado de coma, até frentes de meia-esquerda com tendências a centro, que provavelmente emplacarão o próximo presidente. Como os soviéticos, já nos acostumamos a morar nessa montanha russa Brasil, que ora desce, depois dá um pirueta, e segue descendo. Mas o Betinho e o Jorge Amado foram indicados para o Nobel. O Beto até que merece, mas estão forçando um pouco a barra na categoria, a de paz. Afinal, Ghandi e Madre Teresa deram um sangue danado, e não deu em nada disso. O Amado é eterno candidato ao Nobel, e pelo fato de nenhum brasileiro ganhar nada por lá, pode ser que fiquem com pena num ano qualquer destes –por qualidade de literatura ele já foi rejeitado pela comissão do prêmio um monte de vezes, mas agora ele e esposa são carne e osso com o ACM –quem sabe se o baiano-mor intercede com o seu embaixador em Washington, que nestes dias divulgou nota digna de diplomacia africano, mas cuja esposa é colega da Lady Di? Enfim, poupei o sarcasmo e dei ênfase às boas notícias. Sim?

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