São Paulo, domingo, 6 de fevereiro de 1994
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Sincretismo 'escraviza' índios de Chiapas

PHIL DAVISON
DO "THE INDEPENDENT", EM CHIAPAS

Quem foge do sol forte em San Juan Chamula, sul do México, e entra na igreja de San Juan Bautista tem a sensação de entrar no céu e no inferno. A igreja é um templo peculiar, onde índios tzotziles camponeses rezam para um misto de Jesus, Deus, Sol e divindades antigas. Também é o local onde se desenrola uma trapaça aviltante, cometida por latifundiários e dirigentes locais, que mantêm domínio sobre os camponeses. Através da trapaça os "caciques" conseguem cada vez mais terra e dinheiro dos índios, já paupérrimos.
Os caciques se esconderam quando foi revelado que boa parte dos 50 mil habitantes da cidadezinha haviam desaparecido, aparentemente para se juntar à insurreição zapatista, iniciada no Ano Novo em Chiapas. Milhares de outros já haviam sido expulsos por se converterem a religiões evangélicas, mais especificamente por se recusarem a beber, fumar e "cooperar com festas".
Não há bancos na igreja, de 45 anos, mas há bebidas alcoólicas, refrigerantes e velas acesas de todos os tamanhos, formatos e cores. Onde não há velas, o chão é coberto de palha seca, como um estábulo. Cada parte sem palha e com velas é um altar onde um grupo de tzotziles reza e faz reverências, depois de enfeitar o altar com copos ou garrafas cheias de "posh" (aguardente de cana), Coca-Cola ou outras oferendas ao seu conceito muito peculiar de Deus.
Quando terminaram a oração, o marido, Manuel Perez Hernandez, 50, explicou: "Oramos a nosso Deus, Tatik". Perguntamos o que significava Tatik, em termos de catolicismo. Achamos as respostas enigmáticas. "Tatik" significa o Sol, mas também abarca Deus, o Pai, Jesus e a Virgem Maria. "Jesus é nosso Senhor. Tatik é Jesus, Deus e o Sol", disse Perez, sugerindo que o convidássemos a tomar um copo de "posh" para dar maiores explicações.
É simples a explicação para o uso de álcool, refrigerantes e tantas velas, vendidos ao lado da igreja a preços fora do alcance. Há anos um grupo de caciques domina as vendas de aguardente, refrigerantes, velas, o serviço de táxis e qualquer coisa que dê dinheiro.
Com a conivência do prefeito –do governista Partido Revolucionário Institucional (PRI), do presidente Carlos Salinas de Gortari–, os camponeses são reprimidos, roubados, transformados em bêbados e, através de uma dívida cada vez maior, paulatinamente destituídos de suas terras. Cada altar custa à família que nele reza a renda de um mês inteiro (cerca de US$ 100). Os camponeses usam objetos pessoais, as casas e os lotes de terra como garantia.
Povoados como esse não obedecem às leis do país. Os caciques escolhem o candidato do PRI que será o próximo prefeito. Os camponeses recebem ordens de votar nele. Por isso, a insurreição zapatista, com a reivindicação de reforma agrária e do fim das fraudes eleitorais, preocupa os caciques e os chamados "priistas".

Tradução de Clara Allain

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