São Paulo, segunda-feira, 7 de fevereiro de 1994
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Procura-se presidente atrevido

LUÍS NASSIF

O maior mal que o ex-presidente Fernando Collor causou ao Brasil foi ter se apropriado, antes que um político mais maduro e honesto o fizesse, da bandeira da ruptura modernizante.
O discurso da despolitização do Estado, o rompimento com os sistemas políticos tradicionais, as bandeiras da desregulamentação e do combate aos cartéis sintetizavam com notável clareza a aspiração nacional máxima –e que se mantém viva.
Collor não tinha nem a patente nem o monopólio das idéias. Apenas foi o usurpador de conceitos que nasceram a partir do amadurecimento gradual da opinião pública. Por isso não pode servir de álibi para o discurso da acomodação.
Esses anos de crise e de humilhação levaram parte do país a um exercício penoso de auto-conhecimento, do qual resultou a constatação de que o atraso, o subdesenvolvimento e a miséria são de responsabilidade majoritária de um esquema de poder –cujas raízes se encontram no próprio processo de formação política do país. E não se rompe com este esquema a partir do discurso da contemporização ou de propostas cosméticas.
A partir dessas constatações, a segunda coisa que de pior poderia acontecer com o país seria seu comando ser entregue a um velho representante do poder político tradicional, sob a alegação de que o conhecido, mesmo ruim, é melhor do que o imprevisível. Não é.
Mas o que de pior poderia acontecer, seria o país ser entregue a um representante rejuvenescido desse poder tradicional. O primeiro grupo apenas aprofundaria o processo de politização espúria do Estado, acelerando as condições para que a ruptura se desse mais adiante. Já o segundo se valeria de uma imagem menos desgastada para tentar encontrar novas maneiras de perpetuar o velho jogo.
Não se pense que esta ruptura modernizante passa pelo PT. O partido é um aglomerado heterogêneo, que só se mantém unido pela perspectiva de vitória de Lula. Teses modernas e sociais –como o controle civil sobre o sistema de saúde– esbarram em resistências enormes dos setores hegemônicos do PT, sob o argumento de que amarrariam a atuação do governo, logo agora que o partido se prepara para assumir o poder.
Tampouco passa por FHC, representante da contemporização bem explicada, ou por Antonio Britto –cujo voto, em favor da anistia total aos agricultores, semana passada, ressuscitou os piores prognósticos sobre seu estilo.
A modernização passa pela profissionalização e despolitização do serviço público, por seu enxugamento, pela proibição de indicações políticas de qualquer natureza para a máquina pública, pelo respeito ao equilíbrio orçamentário.
Implica na moralização das licitações públicas e em rompimento radical com os sistemas de subsídios regionais e setoriais. Passa pelo combate sistemático a todo tipo de resistência corporativa –de funcionários públicos a representantes dos demais Poderes. E pela despolitização das estatais, transformando-as em empresas públicas –com capital aberto e pulverizado entre fundos de pensão, fundos públicos e investidores em geral.
Exige-se do novo presidente um processo de negociação com os demais Poderes da União –Legislativo e Judiciário–, que resulte em um acordo amplo de modernização, e de subordinação também desses Poderes ao controle da cidadania.
Já se tem as condições ideais para modernizar institucionalmente o país, preparando-o para o grande salto de crescimento. Hoje em dia, a consciência cívica é fortíssima e responsável pelo aparecimento de soldados da cidadania, infiltrados no serviço público de todos os governos –inclusive em um governo anódino como o de Itamar.
Para as próximas eleições, procura-se um presidente honesto e patriota, mas suficientemente atrevido para enfrentar a grande batalha da modernização, contra o sistema de Poder tradicional.
Se as próximas eleições não produzirem um perfil dessa natureza, o Brasil não acaba. Em seis meses a opinião pública dá conta do populista de plantão. Apenas o caminho para a modernização será mais lento e penoso, mas continuará sendo irreversível.

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