São Paulo, quarta-feira, 9 de fevereiro de 1994
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'Kaos' é filme de moedeiros falsos

ARNALDO JABOR
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Conheci os irmãos Paolo e Vittorio Taviani em 1967, em Pesaro, Itália, durante o importante festival em que levei meu primeiro longa-metragem, "A Opinião Pública". Na época, a crítica italiana liderada por Pio Baldelli e o jovem Adriano Aprá resistiam às "facilidades" da "nouvelle vague" com a manutenção do discurso político de esquerda e com a herança documental do neo-realismo italiano. Os irmãos Taviani já estavam na praça, iniciando sua carreira de filmes de boa consciência.
Em todos os cineastas ialianos, a presença da realidade miserável do campo e da cidade é forte; em alguns esta marca se transfigura em um travo de terra, um matriz fecundo que não deixa o mundo virar apenas um delirante sonho, como fizeram Antonioni e Fellini; em outros, a "realidade" vira uma âncora e uma desculpa para a falta de talento. Infelizmente, é o caso dos bons irmãos Taviani.
"Kaos" é o nome grego que traduz o apelido da província que eles habitaram na infância e que vira o grande palco seco siciliano onde se passam os cinco episódios do filme, baseados em contos de Luigi Pirandello: "O Outro Filho", "O Mal da Lua", "O Vaso", "Réquiem" e o epílogo "Colóquio com a Mãe", quando o próprio Pirandello vira personagem e volta à cidade natal para conversar com a mãe morta.
As cinco histórias do filme, temperadas com o "wit"nem tão moderno de Pirandello, poderiam ser um bom suporte para o filme, mas os Taviani se aprisionam em regras pesadas que eles pensam ser um tributo a Rossellini, protegendo o "mundo real"da Itália pobre contra os pecados de Hollywood, os Taviani fazem um filme com atores quase todos naturais (numa cópia canhestra do procedimento de Visconti e Pasolini); criam um ritmo propositadamente lento, achando que a sagrada realidade, se mostrada em sua face agreste, já saneia por si só as falcatruas da linguagem da ilusão; filmam sem movimentos, sem cortes ligeiros, sem enquadramentos sofisticados, cinema dos moedeiros falsos.
O resultado é apenas, infelizemente, um filme sem graça, sem magia, tosco como um pedaço de terra seca da Sicília ou como um pedaço de madeira sem lavra. Em tempo, eles já fizeram um filme super legal: "Bom Dia Babilônia".

Vídeo: Kaos
Direção: Paolo e Vittorio Taviani
Elenco: Omero Antonucci, Franco Franchi e Ciccio Ingrassia
Produção: Itália, 1984
Lançamento: Concorde/F.J. Lucas (tel. 011/857-7553)

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