São Paulo, sábado, 12 de fevereiro de 1994 |
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Calor do Carnaval chega gelado na telinha
ESTHER HAMBURGER
A televisão é capaz de muitas emoções, mas talvez o Carnaval seja daqueles fenômenos que desafiam os limites específicos do meio televisivo. A Globo recoloca no ar a mulata eletrônica com jeito de andróide do Hans Donner. O ritmo de edição, os enquadramentos e imagens são incrivelmente convencionais, que só despertam o tédio. E haja apelação. O câmera se posiciona embaixo dos sambistas, olha para cima e aumenta o requebrado de uma bunda mulata perfeita vestida em um fio dental de lantejoulas vermelhas. O mesmo enquadramento valoriza a abundância de seios de fora de morenas coroadas, enfeitadas como rainhas. Mas a energia desprendida nessa festa de infinitos corpos dançantes se dilui na tela pontilhada e perde a força. A televisão é mestre em primeiros e médios planos. Mas o Carnaval é performance coletiva que não se apreende no detalhe de um peito nu. É festa de rua com seus destaques e estrelas, mas como ritual de expiação e descontração, acontece na magia da multidão. Talvez por isso a vinheta da Globo cause tanto estranhamento. Ela isola a mulata de carne e osso, limpa seu corpo dos pelos e do suor, tapa suas intimidades com geladas lantejoulas redondas e sintetiza a dificuldade da televisão com a imensa festa carnal. As lantejoulas se soltam do corpo da mulher, e exibem todo o despreendimento de pontos eletrônicos que durante frações de segundo deixam de ser aquele átomo invisível que compõe uma parte ínfima da imagem televisiva. Flutuando como livre abstração esses fragmentos de imagem são incapazes de representar o calor do corpo. Texto Anterior: Desencontrados se encontram Próximo Texto: Vocação de brasileiro é viver sob dilemas Índice |
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