São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 1994
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Crítico escreveu obras sobre literatura e teatro alemão

LUIS KRAUSZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Estes dois volumes, recentemente lançados por ocasião dos 20 anos (completados em 1993) da morte do escritor, crítico e ensaísta Anatol Rosenfeld, são parte de uma coleção de sete volumes (dois deles ainda por publicar), que contém a íntegra da obra teórica deste autor.
Rosenfeld, que chegou ao Brasil na década de 30, foragido da Alemanha nazista, aborda, nos 31 ensaios contidos em "Letras Germânicas", as vidas e as obras de uma longa série de autores de língua alemã: desde Hans Jakob von Grimmelshausen (autor do século 17) até Heinrich Boll e Gunther Grass, passando por Heinrich Heine, Holderlin, Heinrich Mann etc. O volume contém também nove ensaios temáticos, abordando assuntos como a vida literária, a produção literária, a produção literária na ex-Alemanha Oriental e o neonazismo literário.
Talvez a característica mais marcante destes ensaios seja a singularidade e a originalidade de seu enfoque. Fundamentado na erudição que adquiriu em algumas das melhores universidades alemãs de seu tempo, Rosenfeld, no Brasil há mais de duas décadas (os ensaios são dos anos 50), volta-se para a literatura de seu país de origem com um novo tipo de olhar: distanciado, quase estrangeiro, e capaz de levá-lo a pontos de vista originais.
Como por exemplo no estudo a respeito de Heinrich Heine e seu desenraizamento, onde um certo paralelismo biográfico -especialmente a marca do exílio- e uma sensação subjacente de destino compartilhado contribuíram substancialmente para aproximar o ensaísta de seu tema.
Neste, como em todos os demais ensaios, transparece a proximidade quase íntima entre autor e tema estudado -afinal, Rosenfeld escrevia, principalmente, sobre quem gostava, e estas suas afinidades eletivas sem dúvida também tinham a sua razão de ser. Assim, ele deixou nestes ensaios a marca de sua pessoalidade, inclusive através da fineza de seu estilo.
Aqui unem-se o escritor e o professor: os textos conseguem aliar profundidade com concisão e didatismo, funcionando ao mesmo tempo como apresentação aos autores estudados e como crítica precisa e atenta de suas obras, além de relato histórico.
As idéias, os amigos, os destinos e as obras dos seus poetas e prosadores prediletos vão se entrelaçando, sempre como vasos comunicantes, cujos canais ocultos são identificados pelo olhar atento -e frequentemente psicanalítico- de Rosenfeld, e revelando uma totalidade lógica, coerente, e também cheia de inevitáveis contradições.
Numa abordagem do fenõmeno literário que se afasta do classicismo, e da concepção da arte enquanto fenômeno autônomo, a literatura é humanizada sem, no entanto, ficar privada de sua dimensão sobre-humana, e sem jamais ser encarada de maneira reducionista ou "explicativa". Nunca se rompe o tênue véu de magia que envolve toda a literatura digna deste nome.
Se os ensaios contidos em "Letras Germânicas" resultam de motivações de momento, refletindo, até certo ponto, uma escolha pessoal do autor e oferecendo-nos um retrato sucinto de seu refinado gosto literário, a "História da Literatura e do Teatro Alemães" é pautada por critérios que vão além da pessoalidade, dependendo mais de um consenso histórico e acadêmico. Dadas as dimensões reduzidas do volume –146 páginas para literatura, 170 para o teatro– e a vastidão da matéria, uma concisão quase esquelética torna-se inevitável, o que sem dúvida priva este volume de muito do encanto que transborda das páginas da coletânea de ensaios.
Os objetivos aqui são outros. Trata-se de estabelecer um panorama de estilos, de influências mútuas e fontes comuns, tentando, de maneira inevitavelmente artificial, criar um quadro em que apareçam os autores mais importantes.
Na "História da Literatura", Rosenfeld começa pelos antigos cantos pagãos medievais germânicos, dos séculos 9 e 10, passando então para a literatura em médio-alto-alemão, epopéias como o "Canto dos Nibelungos", e as poesias amorosas dos trovadores (Minnesang), sempre recitadas com acompanhamento musical.
Sucedem-se os vários períodos estético-filosóficos desta profícua cultura literária, tanto da Alemanha como da Áustria (e antiga províncias) e da Suíça, até o século 20. Os breves capítulos, partidos em divisões sumaríssimas, funcionam como uma espécie de enciclopédia de bolso, oferecendo-nos, com poucos traços, um esboço de dúzias de grandes autores, suas obras, suas vidas, sua época, numa obra única em língua portuguesa.
Essas características também permeiam a segunda parte do livro, "Teatro alemão - Esboço histórico", onde o autor apresenta, de maneira didática, as origens remotas do moderno teatro alemão, em especial do expressionismo e de Bertolt Brecht, traçando o seu extenso desenvolvimento histórico, e novamente preenchendo uma lacuna na literatura em português.
Assim como o antigo teatro grego, o teatro alemão é, em sua origem, um acontecimento de caráter religioso –seja pagão ou cristão, embora também se conheça, a partir da Idade Média, um teatro profano, no mais das vezes de caráter cômico.
A mais ritualista dentre todas as formas de arte, o teatro deu origem aos oratórios e paixões, que preservam seu caráter religioso, bem como, na vertente profana, às óperas e ao teatro moderno. Mas, seja como for, o teatro mantém o sabor do acontecimento humano imediato, presenciado pelo espectador, e criando à sua volta as mais poderosas de todas as sensações proporcionadas pela arte.
Também aqui Rosenfeld discute as características mais marcantes dos diversos movimentos estético-filosóficos, e a maneira como influenciaram os artistas individualmente. Estes dois lançamentos são amostras de uma obra analítica penetrante e acurada, única em língua portuguesa.

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