São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 1994
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Uma escritora fora do lugar

Terezinha Rezende sonha saltar de Lavras para Londres

MAURICIO STYCER
ENVIADO ESPECIAL A LAVRAS (MG)

Ela mora em Lavras, 233 quilômetros ao sul de Belo Horizonte, assina seus romances com um pseudônimo francês e ambienta suas histórias na Inglaterra. É a única pessoa no Brasil a ter carteirinha da Crime Writers Association (CWA - Associação dos Escritores de Livros de Mistério), com sede em Londres. Aos 40 anos, Terezinha Lourdes Rezende enfrenta as dificuldades de ser uma escritora fora do lugar.
Seu nome aparece hoje na relação de sócios da CWA ao lado dos nomes de P.D. James, Ruth Rendell e Antonia Fraser, algumas das mais conhecidas escritoras de mistério da Grã-Bretanha, mas pouca gente a conhece no Brasil. "Sinto-me, aqui em Lavras, uma intrusa no meio delas", diz.
Como todos os membros da CWA, Terezinha venera Agatha Christie (1890-1976), que, por sinal, nunca foi sócia da associação. O seu romance de estréia, "O Jogo da Detetive", lançado em 1983, é dedicado à criadora de Hercule Poirot. "O editor desconfiou que eu estivesse plagiando a Agatha Christie. Antes de publicar, ele pediu que um tradutor lesse e desse um parecer confirmando que não era plágio."
Em 1990, ano do centenário de Agatha Christie, Terezinha leu uma reportagem sobre a Crime Writers Association. Escreveu para a entidade, enviou sua obra, pediu para ser filiada, no dia 6 de setembro de 1991 foi aceita. "Fazer parte dessa associação não muda nada no Brasil. Não consigo viver de escrever", lamenta.
Antes de publicar "O Jogo da Detetive" pela editora Vigília, de Belo Horizonte, Terezinha se convenceu a adotar um pseudônimo . "Ninguém compraria um livro assinado por Terezinha". Escolheu, utilizando sílabas de seu próprio nome, o estranho criptônimo de Tey de Louré.
Sua personagem principal, a detetive particular Louise Colman, estreou em "O Jogo da Detetive" desvendando, em uma semana chuvosa, um crime que ocorrera quatro anos antes numa mansão no campo. Os personagens que transitam pelo romance têm nomes como Marilu, Melissa e sr. Ralph.
Depois dessa, Terezinha escreveu outras duas aventuras protagonizadas por Louise Colman: "Hora Fatal", passada em Londres, na qual a detetive faz uma investigação paralela à polícia, e "Quatro Sentenças de Morte", em que Louise recebe uma carta de uma pessoa pedindo para a jovem investigar o seu próprio assassinato.
Mas os seus romances policiais parecem não interessar os editores. A Vigília convidou Terezinha a escrever para o público infanto-juvenil. "Só queria fazer literatura para adulto. Eu morria de medo de influenciar negativamente os adolescentes. Mas o editor dobrou a minha espinha", conta.
Por conta dessa oferta, a escritora já publicou dois livros de mistério para jovens, "O Flagrante da Luneta" (1988) e "O Muro Misterioso" (1991), ambos pela Vigília, e tem um terceiro engatilhado, "Noite de Aventura".
Escreveu para um importante editor em São Paulo, se apresentando e oferecendo seus trabalhos inéditos. Recebeu como resposta que a editora teria interesse num livro infantil. "Não sou a Xuxa, não escrevo para crianças. Por que o editor não pede para ler o meu trabalho? Nem a crítica do editor a gente pode ter?", se indigna.
Terezinha diz fazer "literatura de entretenimento", o que para ela significa o seguinte: "Esquecer do dia-a-dia e viajar pela história. Você pode não aprender nada com o que está lendo. Se aprender, nem vai notar. Mas você vai se distrair, descansar, viajar..."
Dentro desse raciocínio, as suas histórias só podem se situar na Grã-Bretanha: "É o berço do romance policial. No Brasil, um policial vira comédia. Ou então, cai no submundo. Aqui, os crimes são degradantes, malfeitos, mal cometidos", diz, imaginando uma escala de crimes.
O assassinato de Ana Elisabeth, mulher do economista José Carlos Alves dos Santos, o pivô da CPI do Orçamento, ganha nota zero da escritora. "O leitor não iria gostar dessa história. O crime foi mal idealizado e mal cometido", critica. Um crime perfeito? "O crime da rua Cuba. É um crime interessante, do ponto de vista do leitor que gosta da boa literatura policial."
Secretária executiva de uma empresa pública, aos 28 anos Terezinha abandonou o emprego e decidiu ser escritora em tempo integral. Vive de uma poupança e com a ajuda da mãe. Os direitos autorais, que recebe a cada semestre, "pagam um picolé".
O grande sonho de Terezinha deve se realizar em setembro deste ano: participar da reunião anual da Crime Writers Association, em Londres, onde nunca pisou. "Vou para o desafio. Sei que ainda tenho muito o que aprender, mas no Brasil você não pode ser modesta, porque senão você não é descoberta. Ninguém vai achar o seu livro escondido dentro da gaveta."

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