São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 1994
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Rabin quer acordo com a Síria este ano

CHRISTOPHE BOLTANSKI; MARC KRAVETZ; PATRICK SABATIER
DO "LIBÉRATION"

Este ano é crucial para se chegar a um acordo de paz para o Oriente Médio. A avaliação é do primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin. Mas para isso é fundamental que Israel chegue a acordos com a Síria e com a OLP.
Na última quarta-feira, Israel e a OLP superaram quase quatro meses de impasse e estão perto de um acordo definitivo para pôr em prática o projeto de autonomia palestina, assinado em setembro de 1993, em Washington.
Pendurado por uma frágil maioria de apenas uma cadeira no Parlamento, enfrentando forte oposição à sua tentativa de paz com os árabes, Rabin sabe a importância de qualquer avanço nas negociações. Nesta entrevista ao jornal francês "Libération", concedida há duas semanas, Rabin afirma que são exatamente estes avanços que podem viabilizar a paz, defende a idéia do referendo sobre as colinas de Golã –tomadas dos sírios em 1967– e diz que, se o acordo com a Síria não sair este ano, pode ser "tarde demais".
*
Pergunta – O sr. declarou em várias ocasiões que o ano de 1994 será decisivo para o Oriente Médio. Decisivo para um paz global e definitiva?
Yitzhak Rabin – Espero que sim. Não estou dizendo que até o final do ano poderemos concluir a paz com todos as partes envolvidas na negociação, a Jordânia, a Síria, o Líbano e os palestinos. Mas se conseguirmos colocar em prática o acordo que concluímos com a OLP, mesmo se aplicarmos apenas sua primeira fase, acho que teremos cruzado um ponto do qual não haverá retorno. A mesma observação vale para a negociação com a Síria. Mas, em relação a isso, a não ser que consigamos concluir um acordo de base sobre os problemas essenciais ainda em 1994, temo que será tarde demais.
Pergunta – O sr. está otimista?
Rabin - Não se trata de estar otimista ou pessimista. Se progredirmos realmente com os palestinos e a Síria, então as outras questões –Líbano e Jordânia– serão resolvidas sem maiores dificuldades. Não temos problema territorial com esses países e não há nenhum obstáculo fundamental à conclusão da paz com eles.
Pergunta – Vários obstáculos surgiram nas negociações com a OLP, que retardaram a aplicação do acordo de Washington.
Rabin - O verdadeiro problema vem de uma diferença de abordagem entre Iasser Arafat e nós. Na longa conversa que tivemos no Cairo, em dezembro, eu disse a ele que talvez tivesse sido um erro não haver tomado o tempo necessário para discutir o sentido do documento que havíamos assinado. Tudo vem disso. Ele considera, e de seu ponto de vista é compreensível, que a primeira fase do acordo interino Gaza-Jericó já constitui um passo em direção a um Estado palestino independente. A declaração de princípios precisa muito bem que a discussão sobre o estatuto final (dos territórios ocupados) terá início o mais tardar nos dois anos seguintes à implementação do acordo Gaza-Jericó. Não se trata de questões simbólicas. Não falo de bandeiras, falo de uma moeda palestina, do controle das fronteiras internacionais ou de outros aspectos que fazem parte da noção do Estado independente. Eles nos dizem que são questões de dignidade. Respeitamos a dignidade deles. Mas não confundamos dignidade com soberania, e no atual estágio não podemos aceitar a introdução de elementos que mexam com soberania.
Pergunta – Depois do encontro entre Hafez al Assad e Bill Clinton em Genebra, pode-se prever progressos rápidos nas negociações com a Síria?
Rabin - Espero que sim. Mas é preciso entender como o problema se coloca. Numa democracia como Israel, não se pode resolver um problema crucial sem o consentimento da opinião pública, ou pelo menos da maioria. Lembrem-se da paz com o Egito. Ela só foi possível porque o presidente Sadat, indo a Jerusalém, convenceu os israelenses de suas intenções pacíficas, em seu discurso no Knesset (Parlamento). Dessa maneira ele apagou o ódio e as desconfianças acumuladas durante 28 anos de conflitos. O presidente Assad não fez 2% do caminho percorrido pelo presidente Sadat para convencer a opinião pública israelense. Quando, durante a entrevista coletiva à imprensa em Genebra, um jornalista norte-americano perguntou ao presidente Assad sobre o sentido que ele confere à palavra "paz", este deixou Bill Clinton responder em seu lugar.
Pergunta – O sr. espera de Hafez al Assad que ele possa seguir o exemplo de Sadat?
Rabin - Não. Mas em determinada etapa os ministros das Relações Exteriores dos dois países terão que se encontrar. Pedimos que sejam realizadas conversações prévias discretas em nível relativamente alto.
Pergunta – O sr. anunciou que quer submeter um eventual acordo com a Síria a um referendo. O sr. poderia nos falar mais sobre isso?
Rabin - A questão de fazer ou não a paz com a Síria é um problema crucial, assim como o é a questão de aceitar uma retirada significativa de Golã. É preciso que não haja nenhum mal-entendido a este respeito, nenhuma contestação. Penso que o melhor é deixar o povo decidir sobre esta questão. Todas as democracias estáveis organizam referendos sobre os temas importantes. Por que não Israel, sobre um tema ainda mais vital, não apenas para sua prosperidade, mas para sua segurança?
Pergunta – Por que não fazer um sobre o conjunto do processo de paz, como pede a oposição israelense?
Rabin - A paz com a Síria, a perda da maior parte do Golã, são questões bem mais importantes do que a paz com Líbano ou Jordânia, que não implica questão territorial nem mexe com as fronteiras. No que diz respeito à autonomia palestina, considero que tenho um mandato dos eleitores.
Pergunta – Em suas declarações recentes o sr. parece dar crédito real a Assad. Por quê?
Rabin - Hafez al Assad apresenta duas faces. Por um lado ele encoraja, especialmente desde a assinatura do acordo com a OLP, o terrorismo das dez organizações palestinas que se opõem ao acordo e que têm seu quartel-general em Damasco ou o do Hizbollah no Líbano. Pelo menos ele não fez nada para pôr fim ao terrorismo. Mas, por outro lado, sabemos que Hafez al Assad honra sua palavra. Queremos, como prova, o respeito pelo acordo de desengajamento no Golã, assinado em maio de 1974.
Pergunta – Em termos de política interna, o sr. pensa, apesar disso, que conseguirá levar adiante as duas negociações, com a OLP e a Síria?
Rabin - No plano parlamentar, não há dúvida de que tenho maioria de apenas uma cadeira. Mas, enquanto eu tiver a maioria, estou decidido a ir em frente. Anunciando o recurso ao referendo sobre a paz com a Síria, creio ter aumentado as chances de poder avançar sobre as duas frentes.
Pergunta – Devemos entender que sua decisão de promover o referendo está tomada?
Rabin - Sem dúvida alguma. Para isso precisaremos de uma lei específica, pois o recurso ao referendo não existe em Israel. Quando tivermos definido o tipo de acordo que o governo, ou a maioria do gabinete, puder propor à aprovação do povo, faremos um pedido nesse sentido ao Knesset.

Tradução de Clara Allain

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