São Paulo, domingo, 13 de fevereiro de 1994
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A camisinha e a injustiça

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – Não fosse a Igreja Católica tão forte e influente, trataria hoje de outro assunto nesta coluna. Uma das personalidades mais destacadas da Igreja, o arcebispo do Rio de Janeiro, cardeal d. Eugênio Sales, está usando os meios de comunicação para lançar ataques à campanha na televisão pelo uso da camisinha.
Sou de outra religião, mas não consigo ouvir e ficar em silêncio. E aqui não vai conversa de folião: detesto Carnaval. Está em discussão algo vital que considero acima das religiões: o respeito à vida humana.
Em mensagem radiofônica, o cardeal condenou o estímulo ao uso da camisinha, argumentando: "Muitos que, diante da gravidade do perigo, poderiam modifificar sua atitude, controlando seus instintos para conservar a saúde, certamente não o farão, diante da força da persuasão a que estão submetidos pela intensa propoganda".
Em tese, o cardeal tem absoluta razão. Existe um meio 100% garantido de ninguém pegar Aids. É só não ter relações sexuais. Mas não é exatamente realista –essa meta, aliás, não foi atingida, como reconhecem os próprios religiosos e indicam as notícias de jornais, nem entre padres.
Como se parte de um princípio irreal –as pessoas não transarem no Carnaval– dá-se uma solução irreal. E perigosa. Suponha-se que o governo, pressionado pela visão da Igreja, não faça a campanha (brilhante, diga-se) pela televisão. A consequência óbvia: aumentariam os casos de infecção.
O caso não se limita, óbvio, ao Carnaval. É muito mais grave. Um de nossas maiores falhas é a falta de um planejamento familiar, embora as leis já tenham sido aprovadas. Milhões de mulheres pobres têm filhos que não desejam e, depois, não conseguem sustentar; o aborto é uma das maiores causas de morte entre adolescentes, submetidas, muitas delas, a açougueiros. Calcula-se que, por ano, até 2 milhões de adolescentes engravidem.
Irritante mesmo é que os ricos e a classe média têm as informações e os meios de planejar sua família. Mas quem dispõem de menos condições para manter muitos filhos não tem acesso a métodos anticoncepcionais.
É injusto e desunamo.

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