São Paulo, segunda-feira, 14 de fevereiro de 1994 |
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Manobra evita a cassação de faltosos
RUDOLFO LAGO; GABRIELA WOLTHERS
A manobra consiste em contar a presença dos deputados apenas nas sessões em que haja votação. Nas demais sessões, dedicadas apenas a debates, a direção da Câmara simplesmente desconsidera as faltas, registrando a presença de todos os parlamentares, inclusive dos ausentes. A regra permite que um deputado "enforque" automaticamente todas as segundas e sextas-feiras do ano. A Mesa não marca qualquer votação para esses dias. A Folha fez uma pesquisa no "Diário do Congresso Nacional". Foram registradas 169 sessões da Câmara de 15 de fevereiro a 16 de outubro do ano passado. Mas em apenas 97 delas a Mesa contou o número de deputados presentes. Nas outras 72 sessões os deputados receberam presença, independente de terem comparecido ou não na Câmara. Se fossem contabilizadas apenas as 97 sessões em que a Mesa da Câmara contou o número de presentes, um deputado estaria sujeito a ser cassado a partir de sua 32.ª falta. Estão nessa condição nada menos que 56 parlamentares. Na iniciativa privada, o trabalhador que deixar de comparecer ao trabalho por mais de 30 dias é demitido por justa causa. O salário dos deputados em janeiro foi de CR$ 2,3 milhões. Pela regra adotada na Câmara, para perder o mandato um deputado precisa faltar a 56 sessões (um terço de 169). Abonadas as faltas nos dias em que não há votação, o congressista precisaria faltar ao trabalho durante cinco meses seguidos antes de serem punidos com a perda do mandato. No período pesquisado pela Folha (de fevereiro a outubro de 93), nenhum deputado teve 56 faltas. O deputado Raul Belém (PP-MG), amigo do presidente Itamar Franco, chegou muito próximo. Teve 55. Se a Câmara levasse em conta apenas as sessões em que as presenças foram efetivamente verificadas, Raul Belém teria faltado a mais da metade –e, de acordo com a Constituição, perderia o mandato. Também faltaram a mais da metade das sessões o deputado Ricardo Murad (PSD-MA), com 51 faltas, além de Lúcia Braga (PDT-PB) e Antônio Holanda (PSC-AL), com 48. O problema é que a Câmara estende esses "pontos facultativos" a praticamente todas as sessões em que não há uma votação importante. Além das segundas e sextas-feiras, tradicionalmente enforcadas pelo grosso dos congressistas, a Mesa da Câmara pode marcar "sessões de debate", sem registro oficial da presença, para outros dias da semana. Nessas sessões, é comum se encontrar um deputado discursando sozinho na tribuna apenas para o seu colega que estiver presidindo os "trabalhos". O fenômeno ocorre porque há oradores que não fazem questão de discursar para os colegas. Falam para que seus nomes sejam citados na "Hora do Brasil". Mesmo nos dias em que os tribunos solitários expõem seus argumentos para o par de orelhas que preside a sessão e um plenário deserto, os outros 501 deputados receberão integralmente os seus salários. Para efeitos de cálculo da folha de pagamento da Câmara, é como se os 503 deputados tivessem lotado o plenário naquele dia. A Constituição é clara ao afirmar em seu artigo 55 que perderá o mandato quem deixar de comparecer, no período de um ano, à terça parte das sessões "ordinárias" da Casa a que pertencer, Câmara ou Senado. Tanto as sessões deliberativas como as de debates são consideradas ordinárias pelo próprio Regimento da Câmara. Texto Anterior: Presidente afirma que desfilaria na Mangueira se tivesse sido convidado Próximo Texto: Maioria dos deputados se ausentou por problemas de saúde ou viagens Índice |
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