São Paulo, segunda-feira, 14 de fevereiro de 1994
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Cuidado com os pilotos de computador!

FRANCESC PETIT

As agências de propaganda de todo o mundo estão sendo invadidas por modernos e eficientes sistemas de computação, extremamente úteis e adequados para a administração, finanças, mídia, pesquisa, atendimento e criação. Neste último caso é preciso ficar alerta, pois ele poderá representar um sério perigo para o nível criativo da agência. Isto não se aplica aos redatores, que fazem do computador um instrumento de trabalho bastante útil. Não diria perfeito, pois existem muitos redatores que gostam de escrever à mão, com caneta esferográfica, tinteiro, com lápis e muitos não abrem mão das clássicas "olivettis" com seu barulhinho típico de redação.
Mas onde reside o perigo iminente é no uso dos ordenadores pelos diretores de arte e assistentes. A facilidade e rapidez que a máquina proporciona levam os profissionais a um caminho muito perigoso –o de não pensar. É só folhear revistas, procurar uma imagem adequada para o seu propósito, escanear, fazer uma composição ou layout razoável, aplicar títulos, textos e em poucos minutos lá está, aparentemente uma bela campanha ou um belo anúncio. Mas não existiu o processo criativo, não houve procura de uma imagem nova, não existe invenção, não se trabalhou graficamente os elementos disponíveis.
Um diretor de arte que não sabe inventar uma imagem não pode ser chamado de diretor de arte. Um profissional tem que ter talento e conhecimento de desenhar seus projetos, seus anúncios, de inventar seus personagens, suas fotos, seus filmes, tal qual fazem todos os grandes. Até Kurosawa desenha o que pretende filmar.
É muito fácil arrancar uma página de Vogue ou Vanity Fair, colocar no seu anúncio e aprovar com o cliente, que ficará encantado. Mas na verdade ele está sendo enganado, ludibriado por profissionais preguiçosos que se escondem atrás de um Macintosh.
São uma nova classe de espertalhões que iludem seus patrões e clientes como se fossem efeitos especiais. Aliás, na minha opinião, esse pessoal que usa este método não passa de mero copiador de idéias dos outros. Além de incompetentes, são desonestos para com os verdadeiros profissionais que usam os computadores de forma adequada. Eles todos sabem desta mentira que vem invadindo o mundo publicitário de falsos diretores de arte! Cadê a arte?
O piloto de avião para pilotar precisa de brevê, o motorista para dirigir um carro precisa de carta, o diretor de arte precisa ser artista, provar que sabe criar, que com um simples lápis ou caneta inventa imagens e situações, que sabe compor um anúncio e tem conhecimentos profundos de tipografia, que até sabe desenhar ele mesmo os tipos. É uma maneira centenária de conhecer a arte de Gutemberg –assim como o artista conhece a anatomia do homem, igual nos tipos de letras ou nos espaços a serem trabalhados.
O bom diretor de arte sabe desenhar o cenário para o comercial. Também sabe como iluminar para criar o clima adequado sem recorrer aos livros e anuários para ver como os verdadeiros profissionais fazem. E isto não é uma questão de ser um habilidoso ilustrador.
Quando me refiro a inventar, criar, é como o arquiteto: ele tem que ter um mínimo de talento para inventar seu projeto, para imaginar o seu volume.
Não importa se o desenho é perfeito ou não. O que importa é que foi feito um trabalho de criação e não apenas pegar uma tesoura, escanear e copiar. Isto não é diretor de arte, é piloto de computador!

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