São Paulo, segunda-feira, 14 de fevereiro de 1994
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Cavalo a passo lento

LUÍS NASSIF

Há um ponto em comum entre o plano FHC e o plano argentino, que é a lógica da ancoragem cambial. Consiste em fixar a moeda local ao dólar. Depois, atrasar o câmbio, para segurar a inflação.
No caso brasileiro, haverá uma turbulência inicial devido à troca de moedas. O que não impede que haja uma estabilização posterior, que irá durar enquanto durar a aposta na fixação do câmbio.
A questão é que há limites para o atraso cambial. Cada ponto de atraso torna mais caro o produto interno e mais barato o produto importado. Se esse atraso não for compensado por ganhos de produtividade em outros fatores da economia, inviabiliza gradativamente a produção interna, gerando estagnação e desemprego. Mais à frente, gera movimentos de apostas em maxidesvalorizações, que acabam por desestabilizar a economia.
Definida a ancoragem, portanto, há a necessidade de uma ação rápida e fulminante sobre os pontos de estrangulamento da economia –como ocorreu com a economia argentina, com o plano Cavallo. E aí é que a porca torce o rabo.
Primeiro porque, apesar de sua respeitabilidade acadêmica, no plano operacional tem-se na Fazenda uma das mais sofríveis equipes econômicas das últimas décadas.
Segundo, porque tem-se na Fazenda um ministro que, em pleno anúncio do plano, ainda não definiu se fica ou se se candidata.
Terceiro, porque se está em final de governo, e não há nenhuma razão objetiva para se acreditar que o próximo presidente encampará o plano.
Quarto, porque, ao expor suas ambições políticas, o ministro Fernando Henrique Cardoso transformou em inimigos do plano todos os seus adversários políticos.
Ambiente competitivo
Com tais condicionantes, dificilmente a equipe estará preparada para os seguintes desafios:
1) Desregulamentação da legislação trabalhista, permitindo desonerar a folha de pagamento e estimular formas modernas de relação do trabalho. O plano não trata da questão.
2) Desoneração e simplificação tributária, reduzindo a carga global de impostos. O plano aumenta impostos. Não trata da questão da desoneração tributária das exportações, ponto central para melhorar sua competitividade.
3) Aceleração da privatização, reduzindo dívida interna e permitindo aumentar a eficiência global do setor produtivo. O plano interrompeu o processo de privatização ao desviar as energias da equipe para a montagem da URV e ao prejudicar o processo de revisão constitucional, com a inclusão do Fundo Social de Emergência nos trabalhos da revisão.
4) Reforma do Estado, tornando-o mais eficiente e barato. Não trata da questão.
5) Solução dos grandes passivos públicos e redução da dívida interna, como maneira de viabilizar a redução das taxas de juros da economia. Não trata da questão.
Salários ameaçados
O ponto final dessa mixórdia é que, nas condições atuais, a equipe econômica não terá nenhuma condição de garantir aos trabalhadores que a conversão dos salários pela média não implicará perdas futuras.
O cronograma anti-eleitoreiro do plano previa uma longa fase da URV como índice. Haveria a conversão dos salários pela média, mas qualquer aceleração da inflação em cruzeiros seria imediatamente captada pelos índices e repassada para os preços indexados à URV. Só depois de comprovada a estabilização dos preços, em URV, haveria sua transformação em moeda.
Agora mudou. Faz-se a conversão e, logo em seguida, a transformação da URV em moeda. Com isso, morre qualquer indexação. Retornando a inflação, os salários ficarão na mesma condição em que ficaram no pós-Plano Cruzado: a média vira o novo pico e seu poder aquisitivo será devorado.
Fleury e a governabilidade
O governador paulista, Luiz Antônio Fleury Filho, liga para manifestar seu apoio à coluna de 10 de fevereiro, que diz que um plano que embute aumento de tributos e de juros não pode ser para valer.
Fleury diz que apoiou o plano porque não se pode negar ao governo os instrumentos que ele solicita para executar seu programa econômico.
Mas também não acredita que o plano seja eficaz.

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