São Paulo, segunda-feira, 14 de fevereiro de 1994
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A crise e a burrice nacional

JOSÉ CARLOS DE ALMEIDA AZEVEDO

Surgem sem cessar denúncias de delitos que cobrem a nação de vergonha e a expõem internacionalmente como se todos fôssemos marginais. Além disso, a CPI da Corrupção leva muitos a supor que basta cassar congressistas para redimir a nação e chegarmos, enfim, ao admirável mundo novo.
Sem demérito para a CPI, pelo contrário, as coisas não são simples assim. A visão real e trágica do Brasil não é a CPI, mas as crianças em pranto por não haverem obtido vaga em escolas públicas de 1º grau, o que não ocorre nos tais bolsões de miséria, mas em São Paulo. No país da hipocrisia, proíbe-se o jogo do bicho, as loterias do poder público nascem como praga e as crianças não entram nas escolas porque seus nomes não foram sorteados na loto pedagógica. Que vexame!
Caberia outra CPI para saber o que, no passado, se passou no Ministério da Educação e Cultura, no Conselho Federal de Educação, nas fundações, nas universidades, no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, na Fundação de Assistência ao Estudante e no Conselho Nacional de Serviço Social e nos levou à situação atual. Saberemos assim por que somos um país de analfabetos e por que nosso desempenho educacional, dizem dados recentes, é inferior ao do Haiti e El Salvador. E por que são analfabetos 41,4% dos jovens entre sete e nove anos de idade; por que, entre os assalariados, cresce a matrícula no 3º grau e diminui no 1º e 2º.
Há uns 20 anos, justificando o ensino público superior pago, afirmei que havia uns 6 milhões de adolescentes fora da escola e que o MEC iria falir com os custos do ensino de 3º grau. Não faltaram desmentidos. Hoje, um estudo da Fundação Getúlio Vargas garante que há 5 milhões de jovens nessa situação e as escolas "superiores" levam todo o dinheiro do MEC.
Carnaval, greves e outras folias vão consumir o ano de 94, em que elegeremos novo presidente da República, e é razoável admitir que os demagogos virão aos magotes. Afinal, a Constituição garante a eleição de candidatos ignorantes e trambiqueiros, desde que tenham mais de 35 anos de idade. A nação perdeu o rumo por causa do desastre educacional e não o reencontraremos com dirigentes incapazes e desonestos. Aos poucos, os países se aglomeram para resolver problemas comuns e ter ganhos materiais; se o futuro presidente não tiver competência e seriedade, restar-nos-á a filiação à comunidade dos países africanos.
A crise tem múltiplas explicações, mas a real é a falência educacional que até levou muitos a entender que os problemas do Brasil devam ser focalizados sob a ótica da ideologia. Em vez de direita, esquerda e muro, mais razoável teria sido dividir em honestos e desonestos, competentes e ignorantes, laboriosos e vadios.
Na Polônia, frases feitas, rosto hirsuto, vastos charutos e fala oca com laivos de sabedoria não iludem mais. Após 50 anos de ditadura comunista e nazista, elegeram o operário Lech Walesa presidente da República, com bandeira anticomunista, a favor da desestatização e do capital multinacional. Tudo moderninho. Mas por que não tinha vivência administrativa e capacidade intelectual (não se incluía nos referidos por Virgílio: "felix qui potuit rerum cognoscere causas") foi defenestrado da Presidência. Na crise que sucedeu a derrota da Prússia diante da França, em 1806, Johann Gottlieb Fichte produziu importantes páginas da literatura universal, seus discursos conclamando o povo a recuperar a glória da nação. Falta no Brasil unir as pessoas capazes e honestas para esclarecer a todos sobre o que virá se elegermos ignorantes e sem virtudes.
Há muitas soluções para a pobreza das massas. A Suécia, no século 19, transformou-se em país de emigrantes; a Prússia, hoje Alemanha e Áustria, reergueu-se confiando em seus valores espirituais. A Turquia foi buscar um linha-dura, o general Mustafá Kemal Athaturk, e lhe ficou devendo sua modernização. Questão de escolha de prioridades reais.
Brincadeiras à parte, aumentar o PIB não é prioridade real; basta um decreto proibindo cada brasileiro de fazer a própria barba e obrigando-o a fazê-la diariamente com o vizinho, pelo que pagará dólares. O PIB aumenta uns 20 bilhões de dólares por dia, uns 10 trilhões por ano. Um espanto.
Prioridade real é a educação, mas esse é o nó porque os estudantes resolveram ser índios, sair por aí com caras pintadas e idéias vazias e nossos índios não são de nada. A burrice nacional anda tão alta que hoje o grande tema é o controle do Poder Judiciário e não entendo por que não controlar os outros dois.
Para que o leitor saiba a quantas anda esse assunto, marca de nossa genialidade e alta sofisticação intelectual, transcrevo, "verbatim", um projeto de emenda à Constituição, feito por congressista muito versado em lógica formal, direito constitucional, filosofia do direito e língua portuguesa: "Acrescente-se ao art. 100 da Constituição Federal o seguinte parágrafo: parágrafo 3º, o Poder Judiciário será controlado externamente através do Poder Legislativo, Ministério Público, OAB, organização sindical ou associação legalmente constituída a mais de um ano, na forma da lei, sendo facultado o acesso aos atos administrativos e funcionais" (sic). Sem comentários.

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