São Paulo, terça-feira, 15 de fevereiro de 1994
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Água Branca a Cingapura

NABIL GEORGES BONDUKI

A única iniciativa da Prefeitura de São Paulo na área da habitação social –o "Projeto Cingapura"– é exemplar da ausência de política habitacional e de excesso de esperteza nestes tristes tempos de Maluf.
A idéia de reurbanizar favelas através da verticalização foi por nós implementada, entre outras, nas favelas Água Branca e Minas Gás. Nada tem de novo; é uma proposta concebida em 89, entre várias que implementamos na Habi/Sehab, na política municipal de habitação da gestão Erundina.
Ao contrário de agora, esta idéia estava integrada a um plano global de intervenção nas favelas. Cada favela era analisada rigorosamente, com a participação dos moradores, para formular o projeto mais adequado.
Via de regra, a urbanização da favela, com a manutenção dos moradores e a implantação da infra-estrutura, era a melhor solução para a população e de menor custo para o município. Só quando este tipo de urbanização era inviável, pois implicaria o deslocamento para áreas distantes de um número elevado de moradores, foi proposta a verticalização.
Esta era apenas uma alternativa, pois, além de gerar problemas sociais, custa seis a oito vezes mais por família que a urbanização. Aqui reside o nó da questão: o equacionamento do problema das favelas exige obras de baixo valor e boa qualidade, como eram as da gestão Erundina, para atender grande número de famílias.
É exatamento o que não faz a atual administração. Sem desenvolver projetos de arquitetura e urbanismo (não resistiria a uma fiscalização do Crea), sem discutir a intervenção com os moradores, abandonando outras obras em favelas –desvinculadas de um programa habitacional consistente–, licitam-se obras de "Cingapura" em 14 favelas, a um custo de US$ 15 mil por unidade de 35 m2. Este custo (US$ 420/m2) é 60% mais elevado do que o pago, durante a gestão Erundina, para edificação por empreiteira e quase 300% mais elevado que a construção em mutirão.
A licitação destas obras foi suspensa duas vezes por irregularidades no edital, quando se constatou, através de denúncias do Sinduscon e da Câmara Municipal, que estava dirigida a "certas empreiteiras". Outros problemas técnicos, para não dizer irregularidades, permanecem. Trata-se de um escândalo capaz de estragar uma idéia correta que pode ser adotada; neste caso, parece fruto de uma esperteza de quem ainda não percebeu que os tempos mudaram.

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