São Paulo, quarta-feira, 16 de fevereiro de 1994
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A Cesp e o atraso

PAULO LUDMER

O setor elétrico está sentado sobre suas usinas e acha que elas são doação definitiva
No dia 06 de janeiro, esta página publicou meu artigo –"Furnas e o atraso"– no qual defendi a racionalidade no setor elétrico brasileiro, a redução de seus custos e a contenção dos reajustes de tarifas.
Uma semana depois, em 13 de janeiro, o presidente de Furnas, Marcello Siqueira, respondeu no mesmo espaço, com o artigo "Furnas, o desenvolvimento e o bem público". Em um texto cavalheiresco, mantiveram-se as divergências. Mas em nenhum momento o sr. Siqueira abordou o problema central do meu artigo ou o dos elevados custos, concentrando-se na defesa de maiores tarifas para Furnas investir.
Siqueira errou claramente ao negar minha indicação da crescente migração de investimentos e empresas brasileiras para o Mercosul: para dirimir dúvidas, há ampla reportagem na revista VEJA da semana de 24 de janeiro, revelando dezenas de casos. Alguns devem-se às tarifas públicas mais atraentes nos países vizinhos.
O sr. Siqueira não pode desconhecer que no Boletim Oficial da Argentina (Primera Seccion, Miercoles, de 23 de dezembro de 1993), o presidente Menem fixou em até US$ 17,35 por MWh a tarifa para eletrointensivos com alto fator de carga, enquanto no Paraguai igual medida fixava em US$ 21 por MWh a energia para ferro-ligas. No Pacto Andino, a usina de Guri, na Venezuela, é oferecida ainda a tarifas menores.
Assim é importante que os brasileiros saibam que a tarifa firme no Brasil, para essas indústrias, supera os US$ 40 por MWh, nível insuficiente para o sr. Siqueira. Fora taxas e impostos.
Descartando o meu assunto (custos elevados), o sr. Siqueira introduz que compreende a difícil situação das indústrias eletrointensivas. É fato que os preços internacionais desses produtos estão deprimidos, o que por si só é um enorme problema. No entanto, este problema as empresas tratam de administrar e resistir até uma melhora do mercado. O que falta ao sr. Siqueira admitir é que se torna impossível, neste quadro internacional adverso, ainda ter de suportar, no Brasil, tarifas firmes de energia elétrica 40% ou 50% maiores do que podem estar (sendo que elas representam 40% do custo de produção das indústrias neste caso).
A indústria não quer subsídio. Quer pagar o preço justo, enxuto, o custo efetivamente incorrido da hidrelétrica até sua porta. Nada mais. Por isso, para se falar em subsídio o setor elétrico antes deve provar seus custos reais. E há anos ele se recusa.
Trata-se de pagar um preço final pela energia que seja internacionalmente competitivo e palatável. No entanto, aqui o problema começa pela caixa preta em que se opacam os custos da energia elétrica, não só pelos seus cálculos, mas pelos méritos deles haverem sido assumidos.
Também fez questão de participar desta polêmica, o presidente da CESP (Companhia Energética de São Paulo), Antonio Carlos Bonini de Paiva, que publicou aqui neste espaço, dia 19 de janeiro de 1994, o artigo "O conceito de atraso no setor energético". Incomoda-o que eu, cidadão, lute pela legitimidade da discussão e das suas consequências. Se ter idéias é ser lobista, como me chama o presidente Paiva, qual adjetivo devo atribuir a ele? Ainda mais se ele veste o atraso que quero desnudar?
Para ele, vê-se que os custos da CESP, que tem perto de 20 mil funcionários ou 10 mil a mais do que precisa, não estão em discussão. Deriva para ataques à minha pessoa para não discutir fatos como foi o início das obras de Canoas 1 e 2 sem dinheiro para as demais em andamento...
Historicamente a CESP tem sido usada como um ralo sem fim, não obstante centenas de heróicos funcionários que resistem. Fez o programa do metanol em Corumbataí onde gastou milhões de dólares e não se viu uma gota deste combustível; fez o projeto do hidrogênio, do pró-turfa, do pró-óleo, da Paulipetro, do pró-pró-pró e assim por diante. Tendo diante de si uma platéia cadala. Pois bem: não me calo.
Porto Primavera, Taquaruçu, Rosana... têm custos de fechar o comércio. E recentemente, para fugir do "hot money", a CESP lançou títulos de energia na BM&F, como se energia não fosse monopólio e sim "commodity" e como se o dinheiro arrecadado, dito carimbado para uma determinada obra, informasse o investidor que a Lei das Concessões que tramita no Senado pode reverter ativos da CESP para a União.
Mesmo tomando dinheiro a 16% ao ano, mais IGP-M, curiosamente Bonini começou a inserir anúncios da CESP em horário nobre das TVs, de necessidade discutível e de pseudo-abundância de caixa (enquanto isso a indústria vem cortando o próprio osso).
O desconhecimento do sr. Bonini, ao negar o papel desenvolvimentista da indústria eletrointensiva no Brasil, é grave, tanto mais que importantes funcionários da CESP participaram em posições chaves do gigantesco trabalho multiministerial, da Comissão de Minas e Energia (CNE), publicado em abril de 89, denominado "Estudo sobre Energointensivos", produtos de intenso consumo de energia, que resultou do Processo MME-SEPLAN– 1.832 de 10.12.85. Na oportunidade, o governo queria saber se este setor interessa ao país.
O trabalho da CNE, um bloco de sete projetos, demorou anos de execução, recobriu todas as questões desse parque industrial e reuniu dezenas de participantes, tendo concluído que essa indústria é boa para o Brasil. Examinou-se esta indústria à luz do saldo líquido de divisas para o país, à luz de tecnologia, do mercado e da economicidade, inclusive considerando os investimentos elétricos e quetais.
Naturalmente, também ao dirigir farpas à produção de aço, o sr. Bonini ignora que siderurgia não é eletrointensiva, ignora que essas empresas de base –eletro ou energo intensivas– são multiplicadoras de impostos e divisas, que ao redor delas instalam-se centenas de outras e que sem aço, cloro e soda, gases do ar e outros, o nosso país volta ao século 18, como preconizei no meu primeiro artigo.
Comparar o Brasil, sem estoque de tecnologia futura, mas rico em minérios e energia, com o Japão, que tudo importa, é desfigurar nossas bases de reinserção sadia na economia internacional, para o que precisamos de serviços públicos de qualidade e preço internacional. Esta é uma obrigação existencial da CESP, entre outras.
Por sua vez, a vocação das indústrias é produzir seus produtos. Elas só procuram meios de produzir sua energia elétrica por extrema necessidade: pela ameaça da falta e pela alta insuportável dos preços. Como a alta está aí, algumas procuraram fazer sua hidreletricidade, enfrentando tamanha resistência (distinta da discurseira oficial em público) que não avançaram mais do que poucas exceções.
Qual a dificuldade? O setor elétrico bloqueou a regulamentação do Artigo 175 da Constituição, no Senado. Ela põe em licitação as concessões caducas e mal utilizadas. Mas o setor não quer concorrer: está sentado sobre suas usinas e obras e acha que elas são doação pública e definitiva. Concessão é somente a dada para o outro!

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