São Paulo, quarta-feira, 16 de fevereiro de 1994
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O poder é afrodisíaco

LUÍS NASSIF

A história política brasileira está coalhada de garanhões. San Thiago Dantas, o cerebral, dizia que o poder era o maior dos afrodisíacos. E fazia questão de exercê-lo em sua plenitude em companhia de Tancredo Neves, o mineirinho conciliador.
No período parlamentarista, quase toda tarde terminava invariavelmente com o primeiro-ministro Neves e o chanceler Dantas fechados em seus gabinetes, com bom uísque e secretárias –que não eram convocadas propriamente para taquigrafar as alocuções dos pais da pátria.
Na época, a piada predileta de Brasília dava conta que Tancredo levou uma secretária ao Catetinho –a construção que abrigou os pioneiros de Brasília– que, por ser de madeira, não tinha isolamento acústico. Em certo momento, lisonjeado, mas também preocupado com os uivos amorosos da companheira, pediu-lhe: "Meu bem, fale baixinho". E ela, a plenos pulmões: "Baixinho! Baixinho!".
Para muitos políticos, o exercício do poder ainda guarda resquícios medievais, e não é plenamente exercido se não tiver, do outro lado da linha, belas mulheres, a quem os políticos, à falta de competência específica, ofereciam demonstrações do seu poder: o reino, por exemplo.
Poder e paixão
Certamente, depois do Rio, não houve lugar onde esse jogo de sedução foi exercido com mais intensidade do que na Poços de Caldas dos anos 30 aos 40.
Duas vezes por ano, a temporada atraía para a cidade a corte imperial de Vargas. Junto com a família vinham políticos, militares e desembargadores que, na noite local, misturavam-se com cantoras populares, vedetes e socialites em geral, criando um clima único de intriga e glamour.
A cidade guardou, em sua memória, exemplos inacreditáveis do caráter afrodisíaco do poder. Nos anos 30, o todo-poderoso Chico Campos –homem mais influente do Estado Novo, autor da "Polaca", a Constituição autoritária–, em suas temporadas periódicas por Poços, apaixonou-se perdidamente por Lúcia Azevedo, a jovem mais bonita do mundo e dos arredores. Casado, com uma mulher que padecia de problemas nervosos, Chico Campos enviou o jovem assessor Aloísio Salles a São João da Boa Vista, onde morava a musa, oferecendo-lhe a prova máxima do seu poder e de seu amor: uma lei do divórcio, que lhe permitiria oferecer casamento à moça. A jovem Lúcia ignorou solenemente a proposta.
Os velhos moradores de Poços recordam-se de Getúlio Vargas, trazendo grandes paixões na própria comitiva. Mas sem promiscuidade, e com uma discrição traída, eventualmente, apenas por algum olhar meio perdido em direção à amada.
Tornaram-se famosas na cidade as festinhas dadas pelo presidente da Minas, Benedito Valadares, na Cascata das Antas. Mas seguranças garantiam a privacidade do presidente, impedindo o acesso de estranhos, em nome de algum critério de segurança nacional, que não era muito claro –nem precisava ser, em pleno Estado Novo.
O orgasmo da renúncia
Essa mistura político-erótica poupou poucos dos grandes políticos dos anos 50 e 60. Carlos Lacerda era considerado um obcecado sexual. JK, um conquistador adorável, que morreu indo de carro, pela Dutra, ao encontro da mulher amada.
Jânio era vítima de uma incontinência sexual tão acentuada, que passou os dois últimos dias, antes da renúncia, trancado em um apartamento do Rio de Janeiro com uma belíssima e famosíssima atriz, ainda atuante nos palcos.
Mas, com raríssimas exceções, evitava-se expor o cargo ao ridículo, com demonstrações de exibicionismo vulgar. Uma exceção foi o general João Baptista Figueiredo que, recém-indicado presidente da República, escapuliu para o Rio e foi com uma namorada a um recital do Municipal.
Figueiredo acabou desbancado do título de mais canhestro conquistador da República pelo episódio carnavalesco do presidente Itamar Franco.
Num país latino, medieval, onde a conquista amorosa é sinal de poder político, certamente não houve –e dificilmente haverá– cena mais grotesca do que a protagonizada por Itamar Franco no camarote carnavalesco.
Pelo ridículo a que expõe o país, trata-se, definitivamente, de um figurinha ordinária.

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