São Paulo, quarta-feira, 16 de fevereiro de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Mailer faz sua obra mais ambiciosa

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

Norman Mailer, 70, permanece fiel ao gênero do "novo jornalismo", do qual foi um dos fundadores e expoentes quando ele ainda tinha menos de 40 anos. "O Fantasma da Prostituta", seu mais recente, longo e ambicioso trabalho (depois de mais de 1.300 páginas, ele tem a coragem de terminar com a inscrição "a ser continuado") é, em estilo, muito parecido com "Os Degraus do Pentágono" (1968) ou "A Canção do Carrasco" (1979), os melhores livros de sua carreira.
Os três são "docudramas", ou reportagens ficcionais. A partir de fatos reais (as manifestações pela paz no Vietnã em 1967, a vida de Gary Gilmore, um condenado à morte que pediu para ser executado em 1977), Mailer solta a imaginação. Fantasia, mas escreve sempre em cima de pesquisa extensiva ou experiência pessoal dos fatos.
Desta vez, o tema é a CIA, a Agência Central de Inteligência do governo dos EUA. Mailer gastou sete anos de pesquisa para escrever "O Fantasma da Prostituta", um romance que tem bibliogrfia mais extensa do que muitas teses de mestrado ou doutoramento nas universidades brasileiras.
A preocupação quase obsessiva com a documentação factual enriquece o livro, mas às vezes chateia o leitor. Alguns amigos de Mailer, um personagem lendário na comunidade intelectual americana, que esfaqueou a segunda das seis mulheres numa festa, candidatou-se a prefeito de Nova York e ajudou a liderar o movimento contra a guerra do Vietnã, dizem que com a idade ele se civilizou tanto que ficou aborrecido. Isso transparece no livro.
O texto evidencia ainda outra transformação de Mailer: como outros rebeldes dos anos 60 ele também deu uma violenta guinada ideológica para a direita. Tamanha, que "O Fantasma da Prostituta", mais do que uma história fictícia da CIA, às vezes parece um elogio à agência e aos agentes. O narrador diz a certa altura a seu melhor amigo: "Pessoas como você e eu entram para o serviço de inteligência porque somos intelectualmente seduzidos".
Mailer cita Trotsky ("é possível dizer a verdade por meio de uma comparação de mentiras") para definir o trabalho de uma agência como a CIA, e Balzac para classificar o seu mais recente romance ("comédia de costumes"). Mas o autor que melhor se encaixaria em "O Fantasma da Prostituta" seria Musil, de "O Homem Sem Qualidades".
Primeiro, porque o livro de Musil é inacabado, como o de Mailer (embora Mailer diga que vai terminar o seu, "em alguns anos"). Segundo, porque os narradores dos dois livros se parecem na sua falta de qualidades.
Claro que aí se esgotam as semelhanças. Musil nada tem de jornalista nem parece uma criança fascinada com as aventuras de espionagem, como Mailer, que truncam o desenvolvimento do enredo e em nada instigam pensamentos originais no leitor (ao contrário de Musil, que também atravanca sua história, mas com divagações filosóficas que quase sempre são o que de melhor tem o livro).
"O Fantasma da Prostituta" vale o investimento. Pelo menos, como diz Mailer, porque vai se gastar um bom tempo na sua leitura (não só para não desperdiçar o dinheiro gasto com o livro, mas porque ele prende a atenção, é bem escrito e inteligente). Mas, para quem é neófito em Mailer e quer conhecer o melhor dele, é preferível ler antes o não menos longo "A Canção do Carrasco" (editado no Brasil pela Nova Fronteira em 1980). O Mailer maduro é melhor do que o jovem ou o idoso.

Texto Anterior: Bomba! Itapior sassarica na avenida!
Próximo Texto: Livro gerou polêmica nos EUA
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.