São Paulo, quarta-feira, 16 de fevereiro de 1994
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Obras de Donald Judd reformulam espacialidade da arte moderna

ALBERTO TASSINARI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Obras de Donald Judd reformulam espacialidade da arte moderna
"Arte é algo para se olhar", diz uma frase de Donald Judd, que morreu no último sábado aos 65 anos. Olhando para suas obras, nem sempre é fácil distinguir se estamos olhando para qualquer coisa ou para uma obra de arte. É razoável perguntar pelo que há de artístico nelas. Questão ingênua num tempo em que a crítica e a história da arte se tornaram inteligentes demais para se perguntar pelas questões básicas. Vale hoje para elas o que Lévi-Strauss disse da filosofia em "Tristes Trópicos": "Exercita a inteligência, mas empobrece o espírito".
Historicamente não é difícil compreender a importância do minimalismo e, dentro dele, da obra de Judd, a mais exemplar e coerente. Analisando a espacialidade cubista, Argan fala de uma estrutura espaço-objeto. Com isto quer nos transmitir a idéia de que no cubismo o espaço não é mais o envoltório dos objetos, mas com estes se interpenetra. O cubismo, entretanto, ao comunicar internamente espaço e objetos ainda o fez de maneira representativa.
Já no minimalismo a espacialidade da arte moderna se encontra inteiramente formada. Não há mais contra o que lutar, mas muito a continuar e a consolidar. A estrutura espaço-objeto já não se representa nas obras, mas, por assim dizer, se apresenta. Numa obra da maturidade de Donald Judd, de 1965 em diante, a síntese entre espaço e coisas, entre cheios e vazios, se dá, agora, num jogo de ambiguidades entre o que é espaço mais do que o compõe e representa. Para tal, Judd se utiliza de um esquema de disposição espacial serial. As partes da obra, muitas vezes idênticas, nos mostram concomitantemente o espaço que a constitui e a regra disposicional que o demarca.
Mas tais séries, que em tudo lembram a repetição e as variações de uma linha de produção, se são, como se tentou mostrar, historicamente explicáveis, como dar conta do que há de estético nelas e não apenas do que possuem de técnico? A melhor resposta, aqui, me parece a tradicional. Os esquemas de Judd são simples demais para nos deleitar, mas serão banais os jogos que ele monta entre escalas, formatos, proporções e materiais no interior de cada obra ou série? Se é verdade que para tal a obra de Judd exige espaços adequados para a sua exposição e apreciação, enquanto uma escultura mais tradicional já carregava consigo seu próprio espaço interno, exigi-lo de uma obra minimalista seria anacrônico, na medida em que a espacialidade da arte moderna é outra.
Mas, também, para não ver na qualidade estética da obra de Judd apenas seus aspectos formais, talvez valha voltar aqui às suas semelhanças com os objetos da técnica serial moderna. Esta semelhança não é enriquecedora? Por um lado, se elas se assemelham a objetos produzidos segundo certas regras previamente estabelecidas, de outro, porém, e nisto se afastam da técnica, cada obra dá vida a um esquema prévio que aparece suplantado pelas decisões singulares que as obras, pelo menos as bem sucedidas, mostram realizadas dentro de um campo de possibilidades, que, se não é infinito, é indefinido. Não é algo muito diverso do fato de que há muitas maneiras de pintar pêssegos, mas que é difícil encontrar quem o tenha feito tão bem como Chardin, mas poucas, como acontece na obra de Judd,capazes de revelar a sua verdade poética.

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