São Paulo, quarta-feira, 16 de fevereiro de 1994
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Kieslowski se destaca com tragicomédia

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A BERLIM

Berlim viveu ontem o dia Kieslowski. Nem a presença posterior do ator Tom Hanks para divulgar "Philadelphia", que protagoniza ao lado de Denzel Washington e Antonio Banderas, roubou a preferência ao cineasta polonês. O diretor do "Decálogo" apresentou na competição "Branco", segundo filme da trilogia que dedica às cores da bandeira francesa. Depois da liberdade ("Azul") e antes da fraternidade ("Vermelho"), é a vez da igualdade.
O começo é arrasador. No Palácio da Justiça de Paris, vemos um cabeleireiro polonês, Karol (Zbigniew Zamachowski), no papel de réu. Ao fundo, numa citação rápida, Juliette Binoche abre a porta da sala para ser expulsa, desde logo fechando o circuito com "A Liberdade É Azul" (em cartaz em São Paulo, no cine Vitrine).
Karol sente-se duplamente humilhado: "onde está a igualdade? É porque não falo francês que vocês não me querem escutar?", reclama em alto polonês. Sua amada Dominique (interpretada pela atriz Julie Delphy) completa o golpe: revela querer o divórcio pelo fato de Karol ter sido incapaz de consumar sexualmente o casamento. Karol sai arrasado: sem mulher, sem emprego, sem abrigo.
Sutil gigante
Kieslowski rompe então todas as expectativas. Assume desde então um tom tragicômico muito similar ao do último espisódio do "'Decálogo", aquele em que se disputa uma milionária herança em selos. Não por coincidência, Zamachowski, um misto de Woody Allen e Peter Sellers, é o protagonista de ambos. "Branco" passa a ser a surreal fábula de sua vingança, que naturalmente vai se dar em solo polonês. A pátria da "liberdade, igualdade e fraternidade" não é mais uma arena justa.
Enquanto "Azul" era um filme feminino, dramático e simbolista, "Branco" faz-lhe o contraponto masculino, irônico e direto. São ambos romances de reiniciação, que rompem-nos as ilusões para restituí-las como esperança. Kieslowski é um sutil gigante do nosso tempo.
Melhor na Globo
Ver "Feto" no mesmo dia que "Branco" é o mesmo que assistir novela mexicana após ler Thomas Mann. O novo filme da húngara Márta Mészáros atropela todas a boas impressões deixadas por sua trilogia de "Diários" sobre o crescimento no Leste stalinista. "Feto" trata do mesmo tema que uma recente telenovela brasileira, "Barriga de Aluguel", girando em torno de uma mãe pobre que promete a criança para uma infértil rica. Acredite-me: na Globo estava melhor.
Hoje em competição
A competição, que continua tendo por favorito o cubano "Morango e Chocolate", prossegue hoje com "Em Nome do Pai", de Jim Sheridan, sobre o mais célebre erro judicial do século na Grã-Bretanha, e "Exílio", do australiano Paul Cox. Encerra o dia uma sessão de "Boulevard do Crime" ("Les Enfants du Paradis", 1944) em homenagem ao maior ator francês do século, Jean-Louis Barrault, morto há três semanas em sua casa em Paris.

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