São Paulo, quarta-feira, 16 de fevereiro de 1994
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Co-diretor de 'It's All True' fala da reconstituição do filme de Welles

DO ENVIADO ESPECIAL A BERLIM

Myron Meisel é um dos co-diretores do documentário "It's All True", que reconstitui as filmagens interrompidas realizadas por Orson Welles no Brasil em 1942. Produtor e documentarista, ele foi o último a se juntar ao projeto, que assina ao lado do finado ex-assistente de Welles, Richard Wilson, e do correspondente do "Cahiers du Cinéma" em Los Angeles, Bill Krohn. Meisel veio a Berlim apresentar "It's All True" no Fórum Internacional do Jovem Cinema e falou com exclusividade à Folha.
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Folha - O senhor disse que deveria haver mais Brasil no filme. Por quê?
Myron Meisel - Deveria haver 20 ou 30 minutos mais. O corte final, feito pelo produtor francês, é mais sobre Orson Welles e menos sobre os brasileiros. Gostaria de mostrar muito mais material sobre os jangadeiros. Filmamos em 1992 a expedição S.O.S de Fortaleza ao Rio, e eu especialmente gostaria de relacionar a viagem de 1942 com a de 50 anos depois. Havia um filme inacabado e nós o terminamos, mas há agora outro filme inacabado.
Folha - Na cópia que vimos, há apenas alguns trechos da sequência "Samba" e através deles é difícil deduzir a linha narrativa que teria Grande Otelo como um dos protagonistas. Há mais material?
Meisel - Não. Utilizamos cada cena que encontramos e, por sorte, algumas são em cores. Tínhamos o roteiro de Welles, e ele iria mesmo utilizar dois personagens como protagonistas, Grande Otelo e o garoto Peri Ribeiro. Eles não se encontrariam até quase o final, quando Peri dorme numa escadaria e Otelo passa dançando por ele. Infelizmente não temos a sequência.
Folha - Havia um roteiro para editar a sequência dos jangadeiros?
Meisel - Não exatamente. A única coisa que tínhamos era uma folha com as 12 cenas principais. O que ordenou a sequência foram as próprias imagens. Welles tinha pouquíssimo negativo e tinha que ser muito cuidadoso com o que filmava. Assim, não foi muito difícil escolher qual tomada usar. O desafio foi determinar o ritmo e o único jeito de fazer isso foi conviver bastante com ele, até captar o jeito de Welles filmá-lo. Para chegar a este ritmo, ajudou muito a nossa recente viagem a Fortaleza, pois o ritmo com que os jangadeiros falam e fazem as coisas não mudou.
Folha - Por que o fotógrafo de "Jangadeiros", George Fanto, não gostou da edição do filme?
Meisel - Ele é um veterano muito amargo. Acho que ele não aprovaria qualquer outra versão. Ele é um fotógrafo e não um montador. Não me parece que ele necessariamente entenda o que deve ser feito para organizar o filme. A única crítica substantiva que fez é que acreditava que Welles tinha uma visão animística da relação homem-natureza e que isso não está no filme. Discordo: eu acho que está! (risos). Fanto também duvidava da morte do jangadeiro Jacaré e reprovou-nos por afirmarmos que ele morrera mesmo naquele trágico acidente durante a reconstituição de sua chegada ao Rio.
Folha - Há mais material de "Bonito", o episódio mexicano?
Meisel - Sim. Tudo o que foi filmado lá existe, no depósito da UCLA, mas as filmagens foram interrompidas. Há várias cenas que poderiam ter sido editadas: um exame e a marcação a ferro de touros, uma sequência de rapidíssimos trotes de cavalos.
Folha - É tudo verdade na sequência de abertura em que Welles fala de vodu?
Meisel - Na versão mais longa explicávamos melhor. O que aconteceu foi que Richard Wilson, então assistente de Wellles, foi visitado por umbandistas que deixaram um círculo de agulhas sobre o roteiro. A história de Welles é, em essência, verdadeira. Só que não aconteceu com ele, mas com Wilson! (risos).

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