São Paulo, quarta-feira, 16 de fevereiro de 1994
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Sem fantasia

Dizem que o Brasil começa a funcionar apenas depois do Carnaval. O início de 1994, entretanto, está tão agitado quanto um agosto. O aquecimento econômico de fim de ano acabou prolongando-se, a inflação deu um salto atípico, as Bolsas e as cadernetas de poupança tiveram movimentação excepcional, noticia-se uma boa safra. E o Congresso acabou respondendo ao desafio de uma mobilização pouco usual nessa época.
O cenário à frente promete mais emoções. O ajuste fiscal, para efetivar-se, depende ainda da votação do Fundo Social de Emergência em segundo turno, de sua promulgação e da aprovação do Orçamento de 1994. Além disso, outro elemento fundamental para o plano será a definição do salário mínimo.
O salário mínimo é uma espécie de preço-chave na economia. A estabilidade da nova moeda dependerá da possibilidade de o sistema de preços acomodar-se uma vez definido o novo valor do mínimo. As tarifas públicas e a taxa de câmbio cumprem também esse papel.
No caso das tarifas públicas o quadro é bastante favorável para o governo. Ao longo dos últimos dois anos houve uma significativa recuperação desses preços.
Outro preço estratégico será a taxa de câmbio. A julgar por tudo que se anunciou até agora, o plano do governo incluirá também algum tipo de âncora cambial. Na prática, é como se a URV equivalesse ao dólar e todos os preços passassem a ter um valor fixo em dólar, mas continuamente reajustado em cruzeiros reais. A grande incógnita é saber se haverá inflação em URV. Mantida a igualdade URV-dólar, surgiria um atraso cambial, como ocorreu na Argentina.
O plano dependerá do sucesso que será possível alcançar no lançamento dessas várias âncoras. Fiscal, salarial, cambial ou tarifária, cada âncora funciona na prática como um parâmetro da estabilidade. São preços estratégicos que, desequilibrados, colocam todos os preços do sistema em curto-circuito.
Todos os planos anteriores tentaram, de uma forma ou de outra, camuflar esses desequilíbrios, criando a ilusão da "inflação zero", vestindo a fantasia de uma economia suíça nos trópicos. Hoje as condições parecem mais favoráveis a um ajuste mais consistente. Resta saber se as autoridades de Brasília estarão finalmente dispostas a encarar o Brasil sem fantasias.

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