São Paulo, quinta-feira, 17 de fevereiro de 1994
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Selo Creation comemora dez anos de barulho

MARCEL PLASSE
FREE-LANCE PARA A FOLHA

A cena musical britânica do início dos 80, não diferente do que rola agora, era uma decepção. Neo-românticos e góticos faziam caras deprimidas, enquanto as gravadoras independentes viam o futuro sombrio. New Order levava a Factory nas costas, Smiths adiava a falência da Rough Trade e Cocteau Twins mantinha a 4AD flutuando. Foi nessa roubada que entrou, em fevereiro de 84, o fanzineiro Alan McGee, com sua gravadora de fundo de quintal.
McGee lançou o grito e o sussurro. Colocou seus discos no topo das listas de melhores, ano após ano. Dez anos de Creation Records deram uma nova cara para a música independente do Reino Unido.
Há quilos de vinil obscuro no catálogo da gravadora, especialmente no início. Nem o grupo de McGee, Biff Bang Pow! –batizado com o nome de uma música do grupo Creation (anos 60)– é lembrado como catalizador de tudo. McGee estava mais para "pluft plaft zum". Mas o barulho que viria a seguir atordoaria a ponto de nenhuma onomatopéia servir para sugerir o impacto na cena musical.
Alan McGee na verdade tinha começado a perder dinheiro com música um ano antes. O primeiro disquinho de sete polegadas da Creation, gravado ironicamente por um grupo chamado The Legend (a lenda), foi lançado em 83. Vendeu dez cópias e endividou o escocês maluco por um ano. Em fevereiro de 84, mês em que a Creation oficialmente passou a existir, McGee tinha 22 anos e experiência apenas como promoter da casa noturna pico de Londres, The Living Room.
Em 85, dois irmãos de uma cidade chulé da Escócia, East Kilbride, mudaram o destino da Creation, ao gravar sua primeira canção, apropriadamente chamada "Upside Down" (de cabeça para baixo). The Jesus and Mary Chain virou o conceito de música popular (em oposto a erudita) pelo avesso. A melhor descrição de sua música dizia: Velvet Underground numa partida de futebol produzida por Phil Spector. A fórmula era: melodias assobiáveis, como a dos Ramones, revestidas por microfonias irritantes. Gol.
A Creation liderou movimentos com nomes exóticos, como "anorak" (também conhecido como C86, ou classe de 86), "noisepop" (apelidado de "shoegazer" e "the scene that celebrates itself") e "indie dance". The Pastels, Jasmine Minks, Felt, The Loft, que virou The Weather Prophets, ou mesmo House of Love, que chegou a ser lançado no Brasil, não acompanharam as mudanças como o esperto Primal Scream, de Bobby Gillespie, ex-baterista do Jesus and Mary Chain, ou foram reverenciados como Jesus and Mary Chain e My Bloody Valentine. Mas mesmo as pequenas descobertas de McGee, entre o início cinzento e os remixes dançantes, produziram músicas vitais.

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