São Paulo, terça-feira, 22 de fevereiro de 1994
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Último livro traz memórias de Jarman

HUMBERTO SACCOMANDI
DE LONDRES

Derek Jarman sobreviveu o suficiente para ver lançado seu último trabalho, o livro "Chroma", que chegou às livrarias no Reino Unido na semana passada. O cineasta, escritor, pintor e militante homossexual britânico morreu na noite de sábado, aos 52 anos, de complicações devidas à Aids.
"Chroma" é um misto de memórias e reflexões sobre as cores, na vida e na arte, na ciência e na história. Jarman foi um atento observador das cores, elemento fundamental em três de suas atividades preferidas: a pintura, o cinema e a jardinagem (ele gostava muito de cultivar flores).
O livro traz um capítulo para as principais cores: branco, vermelho, cinza, verde, marrom, amarelo, laranja, azul, violeta, púrpura e preto. Há ainda capítulos dedicados a estudiosos das cores, como Aristóteles e Leonardo da Vinci.
Jarman mistura reflexões e impressões sobre as cores nas diversas atividades artísticas com as suas memórias e poesias. Trechos de sua vida, sua condição de homossexual e posteriormente aidético, sua corrosiva crítica social são sempre associados a uma cor.
O autor recorre também a numerosas citações sobre as cores, de Goethe (que não admitia que o branco pudesse ser uma mistura de cores), a Newton (o primeiro a decompor a luz solar com um prisma), passando por vários pintores de diferentes épocas.
Um dos mais citados é o filósofo Ludwig Wittgenstein. Discuntindo a pureza das cores, Jarman recorre a ele: "Se eu disser que um pedaço de papel é branco puro e colocá-lo junto à neve, ele pode então parecer cinza. Eu ainda assim vou chamá-lo de branco e não de cinza claro". "Wittgenstein" é também o penúltimo filme de Jarman, que estréia em São Paulo sexta-feira, no Espaço Banco Nacional de Cinema.
Pela sua estrutura, "Chroma" lembra "Fragmentos de um Discurso Amoroso", do francês Roland Barthes. Jarman, porém, explora as cores com um objetivo também autobiográfico. O capítulo dedicado ao azul (Into the Blue), por exemplo, trata predominantemente da Aids. Como se o autor se deixasse levar pela carga melancólica do azul na língua inglesa.
"Chroma" é mais que uma fria observação do mundo cromático. Jarman escreveu o livro no final do ano passado, quando estava praticamente cego, devido à doença. As cores, assim, já faziam parte da memória para ele. Assim como a sua vida, que ele tinha consciência de que estava acabando. É isso que torna o livro particular.

Livro: Chroma
Autor: Derek Jarman
Preço: o equivalente a US$ 25.

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