São Paulo, sábado, 26 de fevereiro de 1994
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Um sinal significativo

JANIO DE FREITAS

Ao ser informado pelo presidente Itamar Franco de que o ministro Walter Barelli lhe comunicara a disposição de deixar o Ministério do Trabalho, se o plano econômico mantivesse aspectos socialmente injustos, o ministro Fernado Henrique aceitou sem relutância a posição do colega, dando a entender que considerava a demissão sem maiores consequências e dispondo-se, ele próprio, a cuidar pública e politicamente do fato. Esta não é, porém, uma avaliação política que se deva subscrever. Nem as lideranças do PSDB de Fernando Henrique se dispuseram a adotá-la.
As preocupações de Barelli não se restringem à conversão dos salários. Sua análise do plano não é a do ministro do Trabalho, mas a do economista e do cidadão comprometido com princípios que, aliás, o notabilizaram. Sua demissão tem, forçosamente, um sentido de denúncia do plano como política agravadora da situação social e econômica já preocupante. E não é denúncia de adversário político, mas de quem, no governo, procurou até o fim soluções contemporizadoras, para evitar acontecimentos indesejados na ordem social e institucional. Com o respeito de que é merecedor, a demissão de Barelli tem efeitos políticos além dos que ele próprio desejaria. Uma informação importante, neste sentido, é a de que a opinião dos comandos militares coincide muito com a posição de Barelli.
As bancadas do PSDB na Câmara e no Senado procuram manter as aparências de entendimento com Fernando Henrique e seu plano. A atitude é puramente partidária. O tratamento diferenciado de salários e preços não é avalizado pelas bancadas. O plano mesmo, como todo, suscita muito mais apreensões do que confiança. É frequente, por exemplo, que as conversas com peessedebistas revelem muita preocupação com os efeitos do plano sobre as perspectivas eleitorais do PSDB. Como tais perspectivas são, por ora, muito boas, não é preciso grande acuidade para perceber que, se há preocupação, só pode ser no sentido de que correm grave risco de ser alteradas por insucesso do plano. No caso, portanto, preocupação é igual a falta de confiança no plano. Também no PSDB há muitos Barellis inconfessados.
Sósia
Desde que proclamou a imposição de sua candidatura, Orestes Quércia adotou ares de saudável esportista, com preferência pela camisa arregaçada, cabelos em cuidadoso desalinho. Ainda não se propôs a levar um dossiê da corrupção ao ministro da Justiça, mas já distribui acusações de corrupção a granel. No caso mais divulgado, Quércia devolveu o que o governador Ciro Gomes preferiu dizer, a respeito dele, do modo mais desnecessariamente grosseiro. As demais agressões de Quércia, porém, refletem sua adesão ao mais puro e gratuito gênero bateu, levou. Pelo novo estilo de Quércia, vê-se que Collor deixou admiradores e até fez escola.
Mas não há motivo, ainda, para levar muito a sério o conflito entre Fleury e Quércia. A política paulista tem, é verdade, certa tradição de governadores que se voltam contra o traidor, Lucas Garcez contra Adhemar, Carvalho Pinto contra Jânio. Mas falta alguma coisa mais convincente nesta história de Quércia e Fleury. Na política brasileira nada se oferece assim com tanta clareza e tão cedo. Mesmo quando a evidência é inevitável, no fato há sempre mais motivos ou fins do que parece. O melhor é esperar.

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