São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 1994
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Contraste lamentável

OSCAR NIEMEYER

Foram tantas e tão contraditórias as notícias que correram sobre o Sambódromo, que resolvi voltar ao assunto e lembrar que os blocos de camarotes realizados pela Riotur eram tão mal projetados e construídos, que a juíza mandou tirar um andar e separá-los três metros das arquibancadas por motivos de segurança.
Foi tal a sua preocupação pelo contraste lamentável que criavam com a arquitetura do Sambódromo, que determinou tivesse "acabamento arquitetural preconizado no croqui do autor", para garantir às fachadas desses blocos um aspecto melhor, mais próximo da minha arquitetura.
O diretor da firma Mundus esteve no meu escritório de Copacabana, onde o recebi recusando-me, como era natural, a colaborar no projeto. Ocupava áreas de desafogo arquitetural, quebrando, inclusive, com suas linhas verticais, as formas inclinadas das fachadas.
Infelizmente, apesar do interesse demonstrado para corrigir os desacertos com que a Riotur desmerecia o meu trabalho, a juíza, em razão de tempo –com certeza, recusou a proposta que fizemos de eliminar os blocos de camarotes, substituindo-se pelas pequenas construções, provisórias, com apenas 6,5 m de fachada, que abrigavam os jurados no último carnaval.
Isso levou-me à carta naquela ocasião publicada, fiéis ao tombamento já aprovado e aos objetivos da ação popular de retirar do Sambódromo tudo que nele foi feito sem consulta ao autor do projeto.
Tranquilo de não termos perturbado a realização dessa festa popular tão esperada, aguardamos vê-la concluída para retomar a ação popular indispensável.
Dela, além dos problemas de arquitetura por nós já levantados, ressaltam agora as declarações que, entusiasmado, o prefeito César Maia fez aos jornais sobre o lucro obtido com o Carnaval do Sambódromo e, como corolário natural desse "affaire", o enorme anúncio da Brahma a dominar os desfiles, desfigurando as alegorias.
Se não houver uma intervenção judicial como esperamos, a Brahma e outras poderosas empresas estarão no próximo ano a desfilar pelo Sambódromo e a Riotur, de braços dados com elas, mercantilizada, sem pudor e idealismo.
O resto, a beleza do espetáculo, o sentido popular da festa que sempre foi um desabafo deste povo cada vez mais pobre e abandonado, nada disso perturba os que a organizam. É o velho Carnaval do Rio a se transformar numa festa oficial e elitista, pouco brasileira.
O tombamento do Sambódromo está aprovado e a ação popular apoiada por centenas de pessoas, como consta de manifesto hoje publicado.

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