São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 1994
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Falta de pesquisa ameaça as 200 milhas marítimas

OLIVIA SILVA TELLES
ESPECIAL PARA A FOLHA

Considerada o maior esforço diplomático já realizado, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar corre o risco de não ter a eficácia esperada se os países participantes, inclusive o Brasil, não realizarem pesquisas que permitam um conhecimento razoável dos recursos de seu litoral. A eficácia da convenção dependerá também da adesão dos países desenvolvidos, o que não aconteceu até agora. A convenção, concluída em Montego Bay, na Jamaica, em 1982, deverá entrar em vigor em novembro deste ano.
A convenção cria uma Zona Econômica Exclusiva (ZEE), situada entre o mar territorial e o alto-mar. As 200 milhas (cerca de 370 Km) do mar territorial brasileiro, em regime de soberania plena, foram reduzidas a 12 milhas e as 188 restantes foram transformadas em ZEE, região sobre a qual os Estados costeiros terão "direitos de soberania", para exploração e gestão dos recursos naturais.
A convenção prevê que o país costeiro deve ceder, neste trecho, a outros países, por meio de acordos, o acesso aos recursos excedentes. O Brasil ainda não está em condições de avaliar os recursos da ZEE, e de determinar o que considera "excedente". Para a professora de direito internacional da USP Maria Helena Fonseca de Souza Rolim, "nossa legislação de pesca é inadequada, não fixa critérios para uso compartilhado dos excedentes".
Ela chama a atenção para a "mudança do vínculo jurídico entre o Estado brasileiro e suas águas territoriais". Para ela, os direitos "de soberania", criados pela convenção, "são um novo tipo de direito, de alcance não político, mas econômico-funcional". Explica que o mar territorial de 200 milhas, fundado em ato unilateral do Estado brasileiro, na década de 70, não era pacificamente aceito pelos outros países, o que levou o Brasil a aceitar uma "moderação" assim.
A idéia de que o atraso nas pesquisas e na reformulação da legislação pesqueira possa trazer complicações diplomáticas para o Brasil, por inviabilizar, na prática, o acesso dos outros Estados aos recursos excedentes, é afastada pela Comissão Interministerial sobre Recursos do Mar. Um comunicado da comissão, emitido em novembro último, sublinha o fato de que a convenção não fixa prazo para que os Estados costeiros concluam os acordos internacionais.
Outro grande obstáculo à eficácia da convenção é o fato de não ter sido assinada pelos países desenvolvidos. Segundo Renato Xavier, chefe da divisão de Mar, Espaço e Antártida do Itamaraty, "os países desenvolvidos não assinaram a convenção porque os recursos minerais dos fundos oceânicos, em alto-mar, tornaram-se patrimônio comum da humanidade, o que impõe limites à sua exploração. Para os países que não assinaram a convenção, os fundos oceânicos permanecem na qualidade de "terra de ninguém", sem restrições à sua exploração.
Renato Xavier considera que, sem a participação dos países desenvolvidos, ficará prejudicada a organização da Autoridade dos Fundos Oceânicos, uma entidade prevista na convenção que tem entre os seus órgãos uma empresa para exploração dos fundos marinhos. "Caberia ao Brasil arcar com a maior parte dessas despesas, o que seria uma carga muito onerosa para o país."

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