São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 1994
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Engenharia genética mudará direito a curto prazo

WALTER CENEVIVA

Tudo faz crer que a engenharia genética modificará substancialmente a visão dos direitos humanos daqui para os começos do terceiro milênio. Interferirá, também, nas medidas de combate ao crime. Examinarei dos dois lados da questão, porque se trata de matéria na qual o direito acompanha com maior lentidão o progresso da ciência e das transformações sociais contemporâneas.
Tomo por marco inicial as descobertas ocorridas há uns bons 40 anos, quando pela primeira vez se verificou a existência do ácido desoxirribonucléico - ADN, geralmente referido no Brasil pelas iniciais DNA, colhidas no idioma inglês. Com isso se ampliou o espectro da manipulação genética. Terminará garantindo –talvez em futuro próximo– a previsão das doenças e o modo de as evitar, o que é bom, mas poderá permitir até mesmo a modificação das qualidades do indivíduo, o que pode ser bom, mas também pode ser muito mau.
Hoje é viável, através de um fio de cbelo, descobrir, com boa probabilidade de acerto, os característicos de um indivíduo, inclusive para estabelecer seu parentesco em relação a outras. Em breve será possível determinar dados relativos aos costumes, aos comportamentos da pessoa, o que é proibido atualmente pela Constituição do Brasil, por ferir o direito à intimidade.
Estamos ainda longe, ao que parece, dos tempos em que os experimentos anotados por Aldous Huxley em "Admirável Mundo Novo" (a criação em laboratório de tipos específicos de pessoas, para funções predeterminadas) sejam realizáveis, através da clonagem. Todavia, avanços obtidos caminham no sentido de permitir que toda a estrutura pessoal, física e psíquica de um ser humano seja decomposta através da identificação genética, o que também poderá ser contrário à garantia constitucional da intimidade, mas que não é vedado em lei ordinária.
Passo ao outro lado da questão, mencionada de início, relacionado com o direito penal. Está cada vez mais perto a data em que a ciência descobrirá meios de introduzir mudanças no equilíbrio genético das pessoas. Finalidade: inibi-las da prática de certos atos. Na França, no campo das experiências farmacológicas, tem-se aplicado uma droga que limita, temporariamente, os impulsos sexuais dos estupradores. Quando for possível a intervenção nos genes, em seus pares de cromossomas e em seus núcleos, as mudanças serão mais profundas e permanentes.
Em matéria criminal tem-se acentuado, no mundo inteiro, a convicção de que a criminalidade cresce em progressão mais rápida que o espaço disponível nas novas cadeias. Mesmo as prisões abertas ou domiciliares logo são superadas pela criminalidade avassaladora e pelos mandados de prisão descumpridos. A engenharia genética e a química farmacêutica, além da informática, vêm sendo avaliadas nos Estado Unidos para o combate dos delitos, enquanto desvios da saúde psiquiátrica dos criminosos, sobretudo quando relacionados com a violência contra a pessoa.
Duas ordens de influxos devem ser expostos à sociedade para seu amplo debate. Aquele das convicções ético-religiosas de cada cidadão a respeito desses avanços científicos, de sua aceitação ou de sua recusa. O outro é o dos influxos que as novas tecnologias trarão para as relações entre as pessoas, abrangendo direitos que até aqui nunca foram envolvidos. Recentemente eram impensáveis. Se não começarmos a nos afligir com isso, a curto prazo, nós –os preocupados com o direito– estaremos mais uma vez perdendo o bonde da história.

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