São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 1994
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Analista questiona 'cura' de criança violenta

MAURICIO STYCER
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma criança de 10 anos, como o personagem de Macaulin Culkin em "O Anjo Malvado", jamais seria diagnosticada como psicopata, apesar do seu comportamento claramente anti-social. "Um diagnóstico como esse só se dá a um maior de idade. Como a criança está em formação, você acredita que pode mudar essa personalidade", diz o psiquiatra infantil Francisco Baptista Assumpção. "Mas eu, pessoalmente, acho que há algumas tentativas de abordagem terapêutica que não adiantam", acrescenta.
O caso do personagem de Culkin é considerado extremo e raríssimo pelos especialistas ouvidos pela Folha. Todos concordam que a agressividade é um impulso inato à espécie humana. A grande discussão é sobre como essa agressividade é "modelada" e se desenvolve ao longo da infância –em resumo, por que a agressividade de uma criança pode evoluir para a perversidade e para o chamado comportamento anti-social.
Terapeutas relatam casos de crianças com menos de 12 anos (não penalizáveis pela lei) acostumadas a cometer atos que, praticados por um adulto, seriam considerados crimes ou contravenções. A tortura de animais, especialmente gatos, está no topo da lista. Também não são incomuns os registros de atos de vandalismo (riscar veículos com uma chave, por exemplo) e de pequenos furtos. Mais raros, são os casos de assassinatos cometidos por crianças.
Num extremo, há terapeutas que acreditam no ambiente familiar como formador primordial, senão único, da personalidade de uma criança. No extremo oposto, há os defensores da linha biológica, que acham que a criança é o que ela é porque nasceu com determinadas características.
Nesse duelo de teorias, Francisco Assupção, 42, que é livre-docente do departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, defende um meio termo. "O caráter da criança vai ser ser resultado da formação ambiental mais a sua hereditariedade genética."
O psiquiatra cita os casos de duas crianças de 12 anos que acompanhou. Ambas praticavam requintadas maldades com animais, eram violentas com os amigos e já tinham vida sexual homo e heterossexual. Um dos meninos morava com a mãe numa favela. O outro, de classe média, vivia com uma família considerada estruturada (pai, mãe e irmãos).
O menino pobre foi encaminhado a uma escola bem organizada, onde passava o dia inteiro. O outro foi para uma nova escola particular, passou a fazer psicoterapia e a sua família também.
Dois anos depois, o menino pobre estava trabalhando num supermercado e não exibia mais os sintomas de antes. O outro, continuava com os mesmos sintomas, foi expulso da escola e, anos mais tarde, deu um tiro numa namorada. "Com todas as condições, ele não mudou nada. Há situações em que o ambiente parece não influenciar", conclui Assupção.
O psicanalista Bernardo Tanis, 37, professor de psicoterapia psicanalítica da criança no Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo, diz que é importante distinguir a agressividade, que considera natural, de comportamentos anti-sociais, como vandalismo e furtos, praticados por crianças com menos de 12 anos. "A agressividade, pensada como um aspecto inerente à condição humana, espontânea, não contém maldade. É uma manifestação não necessariamente destrutiva."
Os pais devem se preocupar, segundo o psicanalista, com crianças de um segundo tipo, cuja agressividade é decorrente de alguma frustração ou privação. Tanis acredita que o comportamento anti-social de crianças está associado a privações sociais severas na infância. "Ou também privações afetivas: pais que nunca olharam para o filho e o deixaram com a babá, por exemplo", diz.
Mais otimista que Assumpção, Tanis acha que, com auxílio terapêutico, "essas crianças podem compreender que frustrações elas estão tentando compensar com os seus atos".
A terapeuta de família Lidia Aratangy, 53, acha que parte dos problemas das crianças surge da repressão à agressividade com tapa. "Bate-se muito em criança e isso é muito ruim. É um contrasenso. Agressividade se resolve com abraço", diz a psicóloga.

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