São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 1994
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As duas lutas da URV

LUÍS NASSIF

Há dois momentos na estratégia de implantação da URV (Unidade Real de Valor). O primeiro, é o da conversão de contratos e preços para a URV –e, depois, para o real. O segundo, é a luta posterior pela estabilização da nova moeda.
A estratégia adotada para a primeira etapa do plano visou minimizar a interferência do governo em contratos, para evitar possíveis contestações judiciais.
Adotou-se uma fórmula habilidosa, que resolve o atacado, preservando o governo para regulamentar apenas o varejo. Primeiro, cria-se a URV como índice de preços (não como moeda) e converte-se a ela os salários e os benefícios da Previdência –o que, de certa forma, ajuda a protegê-los nessa fase de transição.
Depois, dá-se um prazo para que o índice seja transformado em moeda. Nessa fase de transição, espera-se que os demais contratos da economia adiram espontaneamente à URV, ou negociando-se entre as partes ou aceitando-se as regras de conversão sugeridas pelo governo.
Passado o período de transição, o cruzeiro será substituído pelo real, cujo valor será igual ao da URV –que desaparece então como índice–, e a conversão passa a ser arbitrada pelo governo.
A equipe espera que a dupla ameaça –de ter que se submeter a uma conversão compulsória, em um nível maior de inflação (o que reduz a média)– convença os credores a aderirem espontaneamente à conversão, por valores até abaixo da média.
O passo seguinte
Ocorrendo uma adesão maciça ao índice URV, a passagem para a moeda real será tranquila, sem os problemas de "carry over" trazidos por outras conversões (veja explicação no pé da coluna).
Não haverá a acusação corriqueira de que a conversão comerá 15 dias de inflação. Suponha-se um salário, ou determinado contrato cotado em URV, cujo pagamento seja no dia 15 de cada mês. Na hipótese do real ser introduzido no dia 1º de maio, haverá uma correção da URV do dia 15 de abril (último pagamento em cruzeiros reais) até o dia 1.º de maio (primeiro pagamento em reais).
O método adotado permite eliminar conflitos nos salários e nos contratos prefixados (como CDBs pré e cheques predatados), cujo prazo máximo de vigência não deve passar dos 60 dias.
Persistirão problemas para a conversão de contratos continuados (como contratos de prestação de serviço amarrados ao IGP ou TR), além de uma miríade de problemas variados, como o caso de categorias salariais que já fecharam acordos mudando sua forma de remuneração a partir de março (como é o caso dos professores da rede privada paulista).
De qualquer modo, faz parte da cota do varejo a ser administrada.
Segundo tempo
Na fase da URV índice, qualquer aumento de preços será captado pelos índices e transferido à URV. Depois que a URV ceder lugar ao real, acaba a indexação. Subsistindo inflação em real, não haverá mais repasse automático para preços e salários.
Para segurar os preços, a equipe recorrerá inevitavelmente à chamada "âncora cambial". Atrasa-se o câmbio e, com isso, consegue-se segurar os preços internos.
A questão é que há limites para este atraso. Deflagrado o plano, haverá a necessidade de uma forte ofensiva em direção às reformas modernizantes para compensar o atraso cambial. Caso contrário, joga-se a economia na recessão ou explode-se o plano logo adiante.
A questão é: até que ponto a sociedade e o Congresso estão conscientes dessa relação de causa e efeito entre reformas, recessão e sobrevivência do plano?
O tal do "carry over"
A inflação é calculada comparando-se o índice médio de um mês com o índice médio do mês anterior. Suponha os seguintes dados: dia 1.º de fevereiro o índice de preços está em 100. Dia 1º de março o índice está em 140. Dia 1º de abril o índice está em 196.
Grosso modo, na metade de fevereiro o índice estará em 120 (a metade de 100 mais 140) e na metade de março, em 168 (a metade de 140 mais 196). Comparando-se 168 com 120, chega-se a uma variação de 40%, que corresponderá à inflação de março.
Se em abril viesse um congelamento perfeito, o mês começaria e acabaria com o índice em 196 –portanto, a média seria 196. Só que, como a média de março foi de 168, a inflação estatística de abril seria de 13%, mesmo não ocorrendo nenhum reajuste no mês.

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