São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 1994
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Dar vida longa à nova moeda

ANTONIO KANDIR

A essa altura é provável que algum funcionário do Palácio do Planalto esteja levando o texto final da Medida Provisória que cria a URV para ser impresso no Diário Oficial da União.
Amanhã todos saberemos, em definitivo, o pouco que resta a saber sobre as implicações da introdução da URV para as principais variáveis econômicas. A publicação da Medida Provisória encerra a primeira etapa do plano, a do ajuste fiscal, e mobiliza a atenção de todos e a energia de trabalhadores, empresários, parlamentares e técnicos da equipe econômica para o processo nada trivial de introdução da URV.
Nesse momento em que a URV começa a nascer, ainda apenas como um novo indexador, é bom não descuidar de ir produzindo as condições que possam efetivamente assegurar-lhe vida longa quando vier a se transformar na nova moeda do país.
A preocupação não é extemporânea, já que o comportamento dos agentes na fase de introdução do novo indexador tende a ser tão mais cooperativo quanto maior confiança houver na solidez e longevidade da moeda que virá a ser criada.
Para que haja confiança na solidez e longevidade da nova moeda, é muito importante que exista expectativa favorável quanto à possibilidade do Tesouro Nacional vir a prescindir de socorro do Banco Central. Para tanto, é necessário criar condições que permitam, no curso do processo de estabilização, uma efetiva separação entre os processos monetário e fiscal.
A separação efetiva dos processos monetário e fiscal depende da existência de um Banco Central independente, garantia institucional de que a autoridade monetária não irá emitir moeda ou títulos para sanar problemas de solvência do Tesouro Nacional. Todavia, a possibilidade real, porque política e socialmente factível, de conferir independência ao Banco Central está condicionada à resolução dos problemas que ameaçam a solvência do Tesouro Nacional.
Passo importante nessa direção foi dado com o ajuste fiscal, que deve permitir a "zeragem" do déficit em 1994 e a conquista de um ajuste estrutural das contas públicas. Na ausência deste, permanece grave incerteza quanto à solvência do Tesouro Nacional.
Dentre os fatores essenciais que alimentam essa incerteza estão o desequilíbrio na divisão de receitas e atribuições entre os três níveis de governo –problema para o qual o Fundo Social de Emergência dá solução apenas temporária– e os gigantescos passivos da Previdência, FGTS e FCVS. São passivos que montam a muitas dezenas de bilhões de dólares, verdadeiras bombas de efeito retardado que, se nada for feito, acabarão por estourar no colo do Tesouro.
A revisão constitucional é o instrumento apropriado para concertar o federalismo fiscal truncado e desarmar as bombas de efeito retardado que ameaçam o Tesouro Nacional. Se a revisão constitucional não enfrentar essas questões-chave, haverá dúvida crescente sobre a possibilidade de virem a ser redefinidas a divisão de atribuições e receitas entre União, Estados e municípios; recuperado o equilíbrio atuarial da Previdência; e ampliado o programa de privatizações, condição necessária a que os passivos do FCVS e FGTS sejam honrados com base na venda de ativos públicos e não via emissão de moeda ou títulos.
Note-se que não é necessário resolver de imediato o que, quando e como incluir no Programa de Desestatização. Tampouco há necessidade de produzir-se uma descentralização apressada, o que seria desastroso, nem de cuidar já dos detalhes operacionais para conferir independência ao Banco Central.
O importante para o êxito do processo de estabilização, agora em fase decisiva, é que a revisão constitucional remova os obstáculos a um reordenamento financeiro e gerencial do setor público que permita assegurar a solvência do Tesouro e, nessa medida, a longevidade e solidez da nova moeda.

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