São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 1994
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Especialistas discutem o uso da nova droga

JAIRO BOUER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Especialistas discutem o uso da nova droga
Uma consulta a mais de 20 psiquiatras do eixo Escola Paulista de Medicina - Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP (dois dos mais importantes centros de tratamento e pesquisa em psiquiatria no país) resulta em conclusões diversas das que vêm sendo veículadas na mídia sobre o Prozac. Apesar de 80% dos entrevistados concordarem que o Prozac é um bom remédio, todos afirmam categoricamente que ele não é superior aos antidepressivos clássicos e que não seria a primeira opção de tratamento, exceto em situações específicas.
A polêmica que se faz em torno do Prozac tem uma razão óbvia: marketing. Estudos americanos amplamente aceitos pela comunidade científica dão conta de que 20% da população procura tratamento para depressão em alguma fase da vida. Milhares de pessoas precisam ser medicadas anualmente em todo mundo e o mercado dos antidepressivos é um dos mais rentáveis da indústria farmacêutica.
O consumo da fluoxetina tem crescido no mundo inteiro. No Brasil, já é produzida por três laboratórios e pode ser encontrada com o nome de Prozac, Eufor ou Daforin. A fluoxetina é a primeira filha de uma nova família de antidepressivos que chegou ao mercado nos últimos anos: os inibidores seletivos da recaptura da serotonina. Além de aliviar sintomas depressivos, têm efeito sobre a ansiedade e as compulsões alimentares.
A depressão é explicada hoje por um funcionamento inadequado no sistema do neurotransmissor serotonina. Neurotransmissor é uma substância que possibilita a comunicação entre as células nervosas. Os antidepressivos clássicos teriam efeito sobre vários sistemas de neurotransmissores enquanto os inibidores seletivos atuariam apenas sobre a serotonina. Essa especificidade se traduz pela diminuição dos efeitos colaterais.
Ricardo Moreno, coordenador do Grupo de Estudo das Doenças Afetivas (Depressão e Mania) do IPQ-HC, diz que o Prozac não avançou em termos de eficácia quando comparado aos antidepressivos clássicos. Todos eles têm um efeito significativo em cerca de 70% dos deprimidos. Para Moreno, o Prozac passa a ser a escolha quando os clássicos não podem ser usados (como em pacientes com problemas cardíacos graves ou com instabilidade de pressão).
Helena Calil, diretora do Centro de Pesquisa em Psicobiologia Clínica da EPM, diz que é incorreta a afirmação de que a fluoxetina diminui todos os efeitos colaterais. Ela reduz efeitos do tipo anticolinérgico (boca seca, retenção urinária, intestino "preso", queda de pressão, retardo na ejaculação e dificuldades com o orgasmo), mas pode introduzir uma série de problemas como dor de cabeça, estômago, náuseas e insônia.
Táki A. Cordás, coordenador do Ambulatório de Bulimia e Outros Transtornos Alimentares do IPQ -HC, acredita que a grande vantagem do Prozac é o seu uso em pacientes com depressão ou distúrbios da ansiedade associados a problemas de obesidade ou compulsão alimentar. Os antidepressivos clássicos podem induzir a um ganho de peso excessivo e a um aumento do desejo por alimentos altamente calóricos. "Hoje 20 a 30% dos meus pacientes estão usando a fluoxetina. Eles já chegam pedindo a medicação. É um modismo", diz.
Márcio Bernik, coordenador do Ambulatório de Ansiedade do HC, acredita que o sucesso do Prozac é facilmente explicável. Os fabricantes deixaram de anunciar apenas para psiquiatras e lembraram que médicos de outras especialidades também tratam depressão. O manejo mais simples (dose única diária) e os efeitos colaterais tornaram a prescrição mais fácil.
Para Bernik, o maior problema com o Prozac é a exarcebação da ansiedade que pode surgir nos primeiros dias. "A pessoa fica como se estivesse com o dedo na tomada. Não pára quieta", diz.
Nenhum dos entrevistados acredita que o Prozac altere a personalidade prévia das pessoas. José Alberto Del Porto, professor adjunto do departamento de psiquiatria da EPM, sintetiza a opinião geral. O Prozac pode melhorar a qualidade de vida de quem tinha cronicamente sintomas depressivos e ansiosos que passavam despercebidos e eram confundidos com características da personalidade. "Mas esse efeito não é novidade, podendo ser obtido com outros antidepressivos", afirma.

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