São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 1994
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Cidade do massacre nunca acreditou na paz

SARAH HELM
DO "THE INDEPENDENT", EM HEBRON

A tragédia de anteontem, infelizmente, era previsível. Eu visitei ambos os lados em Hebron algumas semanas atrás e foi isso que pude constatar.
A paranóia está presente por toda parte na cidade. "Haverá uma guerra total, do Egito ao Irã", diz o colono Eliyakim Haetzni. "O relógio começou a marcar os segundos desde o momento que assinaram o tratado de Oslo (acordo entre Israel e OLP)."
Em Hebron, colonos judeus armados e extremistas palestinos só falam em vingança. Nas ruas em torno dos santuários religiosos da cidade, em volta da Tumba dos Patriarcas, sagrada para judeus e muçulmanos, e nas colinas onde o rei Davi estabeleceu seu primeiro trono, só vale uma lei: olho por olho, dente por dente.
Em Kiryat Arba, o prefeito Zvi Katzover fala: "Não existe aqui um judeu ou árabe que acredite que a paz verdadeira possa chegar a esta área". À primeira vista Hebron parece ser apenas mais uma cidade maltrapilha da Cisjordânia, onde 150.000 palestinos aguentam as humilhações diárias da ocupação israelense e a presença de 5.000 colonos judeus. Mas a presença de soldados israelenses sugere que a hostilidade aqui é mais profunda do que em outras partes dos territórios ocupados.
Hebron é vista como linha de frente para os colonos. "Somos os mais fortes. Continuamos aqui, apesar de seis anos de Intifada. Qualquer pessoa que fosse fraca já teria ido embora", diz Katzover.
Hebron é o quartel-geral do grupo de direita Kach. Segundo o Kach, Kiryat Arba cresceu desde que Yitzhak Rabin se tornou premiê. "Existe um ditado popular segundo o qual os judeus são como azeitonas –é preciso esmagá-los para extrair o azeite. Os judeus dão o melhor de si sob condições adversas", diz um morador.
Como contraponto à militância judaica, Hebron vem alimentando o extremismo palestino. O reduto do Hamas na Cisjordânia está aqui. Em Hebron, Arafat é um nome desprezado pelos palestinos.
Os judeus de Hebron ainda espalham medo pela cidade. "Os colonos fazem o possível para deixar nossa vida insuportável, para que pensemos em partir. Eles utilizam táticas insidiosas para realizar seus objetivos diabólicos", disse Khali Suleiman, um jornalista palestino.
As evidências do "controle" judeu se vêem nas ruas por todas as partes. São os adolescentes judeus que dominam as vielas estreitas da Cidade Velha em Hebron. Garotos de doze anos andam pelo mercado lotado em pose arrogante, lançando olhares de desafio aos comerciantes palestinos que se encolhem debaixo de suas barracas –frequentemente crivadas de furos de balas, evidências dos ataques dos grupos armados judeus.
Os jovens colonos se sentem confiantes porque sabem que são observados por soldados postados em todos os telhados. A caminho de fazerem suas orações na Tumba dos Patriarcas, vestindo jeans e solidéus, eles atiram pedras contra as crianças palestinas para expulsá-las das ruas. Enquanto seus "inimigos" fogem, eles olham sem medo, com as mãos nos quadris. Depois continuam seu caminho, assistidos pelos olhares aprovadores de seus pais armados.
Num pequeno assentamento na Cidade Velha, os militantes do Kach planejam uma "patrulha" de segurança nas ruas. A patrulha de colonos armados passeia pelas ruas, monitorando o rádio do Exército com seus equipamentos hi-tech, pronta para "prevenir problemas".

Tradução de Clara Allain

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