São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 1994
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EUA podem revigorar economia mundial

PAUL SAMUELSON

A economia mundial está vivendo um momento entusiasmante. Os acontecimentos vêm seguindo de perto as previsões feitas pelos economistas especializados.
Estados Unidos
Segundo se informou, o crescimento real do PNB norte-americano está num índice anual de 6% –ainda mais do que nós otimistas havíamos previsto. Apesar do pior inverno do século e de um terremoto devastador na Califórnia, o primeiro semestre de 1994 deverá chegar a um índice de crescimento de mais de 3% ao ano. Não se pode querer melhor do que isso. Muito mais do que isso começaria a ser preocupante.
Japão
O Japão prossegue em depressão. A economia japonesa é hoje a mais mal administrada do mundo e está pagando o preço por isso. Seus bancos ficariam tecnicamente falidos se tivessem que avaliar seu patrimônio por seu verdadeiro valor de mercado. O primeiro-ministro Hosokawa aumentou sua popularidade porque manteve-se firme em Washington e recusou-se a fazer concessões às exigências norte-americanas de fixar limites numéricos para as importações. Mas faltam a ele idéias e liderança; sua nova coalizão só existe no papel e é incapaz de agir.
Europa
A Alemanha teve que reduzir suas taxas de juros, conforme o previsto. O que o Bundesbank ganhou ao demorar em fazê-lo, prolongando o prazo da recuperação européia? A França, a Dinamarca e os países vizinhos da União Européia que vêm sangrando em consequência de haverem atrelado suas moedas ao marco vão querer reduzir suas taxas de juros, juntamente com as da Alemanha. Os países que romperam com o sistema monetário europeu tiveram a tendência de dar-se melhor no final de 1993. Assim, o Reino Unido agora viveu sete trimestres de crescimento positivo; para 1994 e 1995, os especialistas prevêem que terá um crescimento melhor do que a Alemanha, a França, a Bélgica ou a Holanda - para culminar com a Espanha, cujos índices de desemprego reportados já estão na casa de dois dígitos, e o país está sendo abalado por escândalos no setor financeiro bancário e por perdas entre os investidores do Kuait. Apesar da instabilidade política na Itália, a balança das exportações italianas beneficiou-se da desvalorização e seus preços e salários se mantiveram moderados.
Sudeste asiático
Os países do sudeste asiático –Coréia, Taiwan, Cingapura e Hong Kong– continuam em ótima situação, com índices de crescimento comodamente superiores aos 5%. O "boom" chinês prossegue alegremente com índices de crescimento na casa dos dois dígitos, mas os sinais de índices de inflação futura ainda estão evidentes. Será um milagre se o governo chinês conseguir realizar uma aterrissagem segura sem qualquer crise financeira generalizada. Logo depois dos quatro tigres vêm os países em desenvolvimento como a Malásia, a Indonésia, a Tailândia e as Filipinas. Devido à onda favorável aos "mercados emergentes" entre os investidores da Europa e dos Estados Unidos, os índices de preços de ações vêm subindo vertiginosamente em toda a Ásia, e mesmo na semi-controlada Bolsa de Valores da Índia.
América Latina
Muitos países em desenvolvimento da América Latina –Chile, Argentina, México e até mesmo o Peru– vêm livrando-se de sua tradicional letargia e das tradicionais intervenções do governo. Estão começando, cada vez mais, a confiar no mecanismo do mercado. Infelizmente, ainda não estão chegando notícias sobre avanços semelhantes por parte dos satélites da ex-União Soviética na Europa Oriental e das repúblicas nacionalistas saídas da URSS de Gorbatchov. E muitas regiões da África e da América Central permanecem atoladas na pobreza, quando não na miséria e na fome.
Futuro
O que dizer do futuro? Seguem algumas das grandes tendências previsíveis.
Pode-se esperar que ocorram desentendimentos entre os Estados Unidos e o Japão. Clinton é sensível às críticas segundo as quais ele tende a voltar atrás em relação aos ambiciosos programas que anunciou. Desconfio que para resguardar sua imagem ele vá dentro em breve impor várias sanções e penalidades aos japoneses. O iene pode muito bem valorizar-se em relação ao dólar, e é provável que o Tesouro norte-americano abençoe, na surdina, tal melhora na competitividade norte-americana.
Concretizando os avisos frequentemente emitidos pelo Federal Reserve (o banco central norte-americano) de que ele iria em breve aumentar as taxas de juros para brecar a inflação antes de ela tomar ímpeto, as taxas de juros começaram a ser apertadas em todo o país. Podemos prever que este processo continue durante o ano de 1994 e só se modere depois que começarem a se manifestar sinais de fraqueza palpável na economia do país.
Será que o enfraquecimento arranjado dos preços dos bônus irá se ampliar, provocando um enfraquecimento dos preços das ações em Nova York, Tóquio, Londres, Frankfurt, Milão, Madri e Seul? Acho que existe uma boa possibilidade disto vir a acontecer em algum momento de 1994. Deve-se admitir que tal acontecimento tensionaria em certa medida a recuperação global que temos o direito de esperar em algum momento de 1994.
Os especuladores nos mercados de câmbio vão observar atentamente as tendências divergentes das taxas de juros nominais que vão crescer nos Estados Unidos, enquanto ainda estiverem caindo no exterior. Em algum momento isto vai tender a brecar a flutuação descendente do dólar em sua paridade contra as moedas da União Européia e o iene.
Depois da metade do ano é possível que comecem a desaparecer a grande divergência atual entre o crescimento norte-americano forte e o desempenho fraco da economia de outros países. Se isto acontecer, será bom para o mundo como um todo.
Talvez um pouco da notável boa sorte que parece acompanhar o presidente Bill Clinton venha a se espalhar pelo mundo de maneira mais igualitária. Isto representaria uma inversão bem-vinda do padrão estabelecido durante a presidência de George Bush, cujo azar crônico se transformou em importante exportação norte-americana durante os anos de 1989-92.

Tradução de Clara Allain

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