São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 1994
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Jornalistas denunciam intimidação no Egito

ROBERT FISK
DO "THE INDEPENDENT", DE LONDRES

Numa tentativa desastrada de calar os jornalistas estrangeiros no Cairo, o governo egípcio iniciou uma campanha de intimidação de correspondentes para obstruir a divulgação de informações sobre a crescente violência fundamentalista no país.
Representantes do Ministério do Interior convocaram vários correspondentes estrangeiros para responderem por suas "mentiras". Uma série de artigos publicados na imprensa pró-governamental do Cairo, criticando os jornalistas britânicos, franceses e americanos, foi seguida por ameaças por parte do governo de multar as agências de notícias se elas não restringirem sua cobertura da revolução islâmica no Egito.
A última organização da mídia a tornar-se alvo da ira do Ministério do Interior foi a agência "France Presse", acusada de falsificar ou exagerar reportagens sobre violência fundamentalista e de ser "antimuçulmana" ou "antiegípcia", depois de haver despachado dois telegramas sobre incidentes de violência no sul do Egito e no delta do rio Nilo.
Os jornalistas estrangeiros também foram proibidos de presenciar as audiências dos tribunais militares egípcios nos quais são julgados -e frequentemente condenados à morte– os fundamentalistas do "Gemaá Islamiya" (Grupo Islâmico). Os réus desses julgamentos queixam-se de terem sido torturados. E mais uma restrição está sendo aventada pelas autoridades de segurança: daqui em diante, os correspondentes estrangeiros terão de se referir aos opositores violentos do governo apenas como "terroristas".
David Daure, chefe da sucursal da "France Presse", notou um dos paralelos infelizes da campanha. "Esta maneira de atacar a imprensa estrangeira era uma coisa praticada na URSS", diz ele.
Não é difícil identificar a origem da campanha. Depois das repetidas ameaças do Gemaá contra estrangeiros, a indústria turística egípcia praticamente desabou, levando o país a perder cerca de US$ 1 bilhão em receitas. Afirmando que a violência é obra de "terroristas" isolados que já foram virtualmente aniquilados pelas forças de segurança, as autoridades egípcias querem reavivar o turismo estrangeiro, reprimindo a divulgação de outras notícias sobre violência.
O Ministério do Interior avisou que se os jornalistas estrangeiros não pautarem suas reportagens enviadas do Cairo pela "precisão e objetividade", ele vai "tomar medidas legais contra estas reportagens, que não são menos perigosas do que os atos criminosos praticados pelos terroristas que pretendem prejudicar o Egito".
"Cada vez que a imprensa egípcia nos critica, nossos gerentes entram aqui, preocupados com o que vamos reportar", disse um repórter de uma agência de notícias ao "The Independent". "Estamos sendo muito cautelosos, checando cada informação duas ou três vezes".
Sob alguns aspectos, porém, a imprensa estrangeira no Cairo tem se mostrado bastante dócil. Apesar do trabalho corajoso de alguns repórteres, as agências estrangeiras –entre as quais a "Reuter", a "France Presse" e a "Associated Press"– optaram por não investigar as amplas e contundentes evidências de tortura sistemática cometida pelas forças de segurança.

Tradução de Clara Allain

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