São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 1994
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O nome da rosa

Politicamente correto. O termo já provoca histeria nos EUA. Várias palavras foram praticamente proscritas do inglês. No Brasil, começa a surgir o debate. Lá na América, já não se diz "baixo", mas "verticalmente prejudicado". O bom e velho "índio" cedeu lugar ao "americano nativo". Até mesmo o "black" tornou-se "africano-americano".
A idéia por trás desse movimento é bem-intencionada. Como se sabe, a linguagem é de fato um dos meios pelos quais a ideologia se faz perpetuar. Assim, se se desejam eliminar certos preconceitos, bastaria retirá-los da linguagem. Como se vê, a segunda parte do raciocínio é simplista. Se é verdade que a ideologia se manifesta através da linguagem, é igualmente certo que não se eliminam preconceitos abolindo-se seus nomes. Afinal, a rosa não deixaria de ter o mesmo aroma se tivesse outro nome.
Ainda assim, é inegável que sempre que se escreve opera-se um processo de seleção de vocabulário que pode e deve ser sempre questionado. Um texto de jornal, por exemplo, deve normalmente ser escrito numa linguagem clara, precisa e o mais objetiva possível. É óbvio que, dependendo do efeito que se deseja produzir, podem ser feitas modificações. Esta semana, por exemplo, o articulista da Folha Arnaldo Jabor referiu-se em seu texto, numa linguagem bastante direta, à influência do órgão genital feminino na política brasileira. O público aparentemente compreendeu. E as manifestações sobre o artigo foram majoritariamente elogiosas.
De resto, expressões do politicamente correto podem ser desastrosas. Foi o que aconteceu na Suíça, no século 18. Como se sabe, nos Alpes é mais difícil obter uma dieta equilibrada em iodo. Assim, era comum o nascimento de crianças com algum comprometimento físico e mental que se transformavam, depois de crescidas, em verdadeiros idiotas. Ora, os elegantes suíços não iriam se referir de maneira injuriosa a essa minoria. Chamavam-nos de "cristãos", em seu dialeto: "cretins". Ou seja, criaram um palavrão internacional: "cretino".

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