São Paulo, quarta-feira, 2 de março de 1994
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Tributação e (sub)desenvolvimento

ANTÔNIO CORRÊA DE LACERDA

Meu artigo "O IPMF e o falso canto das sereias" (Folha 25/01/94) foi comentado por Marcos Cintra (Folha de 10/02/94). No intuíto de aprofundar o debate sobre a questão, apresento a seguir alguns pontos que me parecem relevantes para o leitor.
O IPMF (Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira) vem, na linha dos impostos que insidem sobre transações, seguir a trilha do proposto "imposto único", que substituiria todos os demais impostos. A diferença é que o IPMF transformou-se em "imposto adicional", mantendo inalterado todo o arcabouço tributário já existente. O argumento principal dos que o defendem é a sua operacionalidade e o fato de insidir sobre todas as transações financeiras, dificultando a sonegação, lhe dando vantagens em relação aos impostos atuais.
O que contra-argumentamos é que este é um motivo muito fraco para impor à sociedade um aumento da tributação. Fazendo uma analogia, isso equivaleria mais ou menos ao seguinte: diante da constatação de que, por exemplo, na sociedade haveria um elevado índice de criminalidade, agravado pela impunidade, se decidisse por encarcerar, durante um mês por ano, todos os cidadãos, independentemente de terem cometido delito ou não, pois assim estaríamos, com certeza, "punindo" os infratores. Ou seja, estaríamos cometendo uma enorme injustiça com os cidadãos honestos e premiando os delinquentes, com uma pena bastante leve.
É mais ou menos o que ocorre com o IPMF. Temos uma estrutura tributária sabidamente injusta, complexa e o nível de sonegação é também alto. Diante disso, qual seria a solução mais racional, embora menos cômoda?:
a) uma reforma tributária, que revisasse a estrutura de impostos na nossa sociedade e que, ao mesmo tempo, a tornasse mais justa, mais simples e que propiciasse mais competitividade na nossa economia, por exemplo, destributando as exportações.
b) combater a sonegação e a corrupção (inclusive a passiva), no sentido de garantir a cobrança dos impostos.
A pseudo-solução do IPMF é, nesse sentido, um paliativo ineficaz e injusto. Ineficaz porque não altera essa estrutura, injusto porque trata igualmente situações desiguais, criando mais um encargo para quem já paga seus impostos, como os assalariados e as empresas organizadas.
Já para os sonegadores, isso representa uma situação extremamente favorável; mantém-se o "status quo" atual (e que portanto não muda sua situação privilegiada de continuar não pagando impostos bem mais pesados), o que é falsamente compensado com uma alíquota ínfima do novo imposto, dando-lhes um excelente álibi. De fato, paradoxal
Não dá para analisar se o IPMF isoladamente, dissociado dos fatores aqui enumerados. A nossa história recente tem sido pródiga no malogro de "soluções" milagrosas que têm nos causado um elevado custo econômico e social: congelamento de preços, moratória da dívida externa, confisco de aplicações e quebra de contratos, para citar algumas.
A retomada sustentada do desenvolvimento econômico não depende só da estabilização da economia, condição que se torna necessária, embora não suficiente para garantir um ambiente macroeconômico favorável aos investimentos na infra-estrutura e produção. A remoção de óbices estruturais ainda fortemente presentes na nossa economia, como a nossa arcáica estrutura tributária, é condicão "sine que non" para a superação do longo ciclo de estagflação. Tudo que agrave o sistema hoje já distorcido, e não mude essa estrutura, estará adiando o desenvolvimento, embora possa, ocasionalmente, render dividendos eleitorais consideráveis.

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